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O MP tem jeito para metáforas. Tutti Frutti representa bem a promiscuidade dominante na cultura política portuguesa. O problema é o sabor amargo.
Será a justiça a apurar se há crimes onde agora apenas existem suspeitas de corrupção e tráfico de influências na contratação de empresas e assessores por autarquias locais com ligações aos dois principais partidos políticos. Para já, o que sabemos reforça a necessidade de discutir a nossa cultura política.
Tenho-o dito: a jusante e a montante das questões de justiça está uma cultura política que promove ou protege comportamentos negativos ainda quando não ilegais. Mudar essa cultura é tarefa da política, independente do papel da justiça. Comecemos pela transparência. É importante definirmos onde é fundamental a transparência com base naquilo para que deve servir a transparência. Transparência sobre os políticos e as políticas que adotam. Transparência para garantir a integridade das políticas mas também a sua qualidade.
É necessária mais transparência sobre os políticos. O exercício de funções políticas deve estar sujeito a um controlo prévio da integridade, desde a situação fiscal à veracidade dos currículos. O registo de interesses deve ser detalhado e não, ele próprio, opaco. Vendo o registo de interesses na AR é impossível saber quais os interesses em jogo... E tudo devia ser digital, para permitir um controlo adequado.
Mas também é necessária mais transparência sobre as políticas públicas. Sobre como são feitas mas também sobre os seus resultados. Primeiro, para garantir que as políticas não foram inadequadamente influenciadas por interesses particulares. Isso faz-se sabendo com quem e como o Estado contrata (já parcialmente possível) mas também quem participa no processo de decisão: com quem e sobre quê reuniram, por ex., os membros do Governo (ainda não possível). Segundo, para permitir um juízo adequado sobre as políticas públicas. Só medindo e conhecendo os resultados das políticas públicas, e comparando com outras, é que as podemos avaliar politicamente. Só dessa forma mudamos a avaliação das políticas públicas de quanto gastamos com elas para o que obtemos com elas.
A opacidade facilita a corrupção e tráfico de influências. Mas mesmo quando não conduz ao crime, a opacidade produz más políticas: decisões com base na proximidade de interesses, e não no mérito, raramente são as melhores decisões. A transparência também é fundamental para garantir um melhor juízo político pelos cidadãos. Quanto mais soubermos sobre o que determinou uma política pública ou os seus resultados, melhor o juízo político que faremos sobre a mesma.
Uma cultura de transparência não é uma cultura de voyeurismo. É uma cultura de responsabilização política. É reconhecer que, para lá das questões criminais, só teremos boas políticas públicas se conhecermos quem as faz, porque as faz, como as faz, e com que resultados as faz.
Professor universitário