Não apoiei a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. Considerei que o presidente, se queria "conforto", devia ir sobretudo buscar votos a quem ele dera "conforto" no seu primeiro mandato - o PS e o Governo nas suas duas primeiras encarnações -, e não aos "seus".
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E assim aconteceu. Ao mais alto nível do PS, e do eleitorado do PS, como se viu nos "estudos" do costume. Depois, absurdamente, Marcelo dissolveu o Parlamento (por causa de um orçamento) e, em "dolo eventual", deu uma maioria absoluta ao dr. Costa. Os dois maiores "populistas" do regime, ele e o seu primeiro-ministro, com a obsessão de travar o dr. Ventura transformaram o partido deste na terceira força partidária parlamentar, anulando o PC e o Bloco, com Costa a formar um dos governos mais improváveis de sempre. Vai para um mês, e por causa de tamanha improbabilidade e de outras amoralidades que o presidente tão bem elencou falando ao país - mas nunca tão bem como Cavaco fez há dias -, Marcelo como que produziu um divórcio amigável com os seus "companheiros de estrada" dos últimos seis anos. Mesmo assim, continua, como Clemenceau, a engolir sapos chamados ministros e ministras sem um pingo de decência na cara. Entretanto, foi a Viana do Castelo - que tão belos versos inspiraram a Pedro Homem de Mello - dizer umas coisas. "Que as instituições que têm de mudar percebam que têm de mudar", e, que se "não mudam a bem, mudam a mal", sendo "preferível que mudassem a bem". Sempre com o olho nas sondagens (que ele designa inspiradamente por "povo"), concluiu que "é mais fácil mudar de instituições do que as instituições mudarem de povo". Terminou com um abstracto "vamos vencer" (na cabeça dele, desde Março de 2016 que não fazemos outra coisa senão "vencer"), porém "era preferível que não fosse no último segundo, nos descontos, com muito improviso à mistura, mas mais bem preparados e organizados". Lá para Julho, vai falar com os partidos, as "corporações" e com o Conselho de Estado e aí verá em que ponto se encontra o "vamos vencer". Isto é típico de um PR pós-revisão constitucional de 1982, na qual Marcelo colaborou como ministro dos Assuntos Parlamentares de Balsemão e jurista altamente qualificado. Em uma obra sua, de 1992, "O sistema de governo português, 4.a edição, revista e actualizada", Marcelo, num rodapé, escreve isto: "de acordo com a letra da Constituição, os conselhos presidenciais serão juridicamente não vinculativos". Se o "sangue" de Marcelo não o engana - como engana a fantasia nos versos de Homem de Mello -, ele, numa 5.a edição deste livrinho, com certeza cortaria esta nota. E eu estaria de acordo com ele.
Jurista