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Todos os verões, o céu veste-se de cinza e o ar cheira a despedida. As serras calam-se, não por descanso, mas por luto. E eu, sendo de Arouca, trago esta dor duas vezes no peito: arde-me a terra onde cresci, arde-me o coração com a dor das minhas gentes. Vejo-os, dias e noites, a lutar contra chamas que não pedem licença. No fim, ficam apenas mãos vazias e olhos marejados.
Perdem-se as raízes, os investimentos de uma vida inteira. Morrem os animais que eram companhia e sustento. Desaparecem árvores que levaram séculos a crescer. Negócios que eram esperança transformam-se em silêncio. No Paiva, é a quarta vez que os Passadiços se rendem ao fogo. E, com eles, ardem também os sonhos de jovens que ousaram ficar, que apostaram na terra que os viu nascer. Agora, o que era promessa é deserto: não se vende, não se cria, não se investe. E a tentação de partir para as cidades cheias, onde serão apenas mais um rosto, começa a sussurrar.
Mas será este o destino inevitável? Como podem autarquias e governos deixar de correr atrás das tragédias? Como planear a floresta, proteger o território, garantir a vida que dele depende? Não podemos continuar a depender apenas da coragem dos bombeiros.
Estamos no limite. Este verão tem de ser mais do que um verão. Tem de ser o momento em que deixamos de falar apenas das perdas e passamos a falar também das soluções. Precisamos de estratégia nacional, ações coordenadas e mais tecnológicas para a prevenção.