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Por estes dias, o secretário-geral do PS não tem falado muito, mas não andará satisfeito com aquilo que vê acontecer no espaço público mediático. PCP e BE desdobram-se em entrevistas, fazendo declarações incómodas; e, dentro do seu partido, tem agora um inoportuno Francisco Assis que quer liderar "uma corrente interna crítica e alternativa". A partir de amanhã, o líder dos socialistas tem mesmo que falar. E apresentar propostas consistentes.
António Costa foi à sede do PCP a 7 de outubro. Saiu sorridente, garantindo ter havido ali um encontro profícuo. Anteontem voltou à Soeiro Pereira Gomes e, à saída, disse somente isto: "Quando se chegar ao fim das conversas, falaremos". O que significa tal prudência? Por que não se pronunciam os socialistas acerca daquilo que se passa nas reuniões? Por que os encontros com os comunistas decorrem sempre na sede do PCP? Percebe-se que, por enquanto, não seja aconselhável expor pormenores das negociações no espaço mediático, mas, pelo menos, não poderia haver uma palavra acerca do modo como tudo está a decorrer? Neste contexto, nada dizer significa dizer muito. E isso acentua-se quando do outro lado não existe recato nas entrevistas, nem pudor em sublinhar divergências.
Há uma semana, Jerónimo de Sousa assegurava à SIC que o seu partido não aceitará respeitar o Tratado Orçamental, não aprovará cortes nos salários, nem se obrigará a respeitar os 3% do limite do défice. No sábado, em entrevista ao DN, António Filipe emendava o jornalista que lhe falava de um Governo de Esquerda, dizendo-lhe que, "para já, chame-lhe um Governo do Partido Socialista...". Todas estas declarações são muitíssimo significativas. E não ajudam o PS a impor-se como alternativa credível de um Governo que se quer que seja para a legislatura.
Do lado do Bloco de Esquerda, não tem havido posições públicas de discordância, mas fez-se saber que Catarina Martins conseguiu garantias de que o PS abandonará a sua proposta da TSU e que irá repor os salários da Função Pública no próximo ano. Esta informação coloca o BE no comando de umas negociações cujo protagonismo do PS continua a ser uma incógnita. E os bloquistas lá vão capitalizando a sua força...
Na quarta-feira, houve quem fizesse chegar aos jornalistas a informação de que os socialistas podem assinar acordos diferentes com o BE e o PCP. O próprio presidente e líder parlamentar do partido garantiu que o PS não apresentará nenhuma moção de rejeição se não tiver uma alternativa acordada e consolidada. A pressão sobre o PCP e BE é máxima e isso não augura bons ventos...
Antevendo o que poderá capitalizar com um eventual fracasso de Costa, Assis disponibilizou-se agora para liderar "uma corrente crítica e alternativa", desdobrando-se em contactos com os jornalistas. Para pontuar a sua divergência quanto ao rumo do seu partido, promoveu um almoço para amanhã na Mealhada, procurando juntar a si os sem-terra deste PS de Costa. A fim de neutralizar o encontro, o secretário-geral do partido fixou para o mesmo dia a comissão nacional, forçando, assim, à desmarcação do repasto conspirativo. Assis antecipou para hoje a sessão do complô, passando uma expressiva rasteira à direção do PS. Os jornalistas darão a máxima atenção ao que se passar aí e isso marcará a agenda política. A menos que amanhã António Costa apresente alguma coisa de substância acerca daquilo que andou a negociar com o PCP e BE ao longo do último mês. Não há margem para outra opção, porque o PS precisa de se mostrar agora mais unido do que nunca. E nada parece estar a correr bem.
Eis, então, chegados ao período de todas as definições. Nos próximos dias, saberemos se o Governo de coligação de Direita cai estrondosamente na Assembleia da República e quais os deputados que se unem para essa queda. Deveremos também conhecer o acordo PS, PCP e BE e qual a sua robustez para sustentar um executivo de Esquerda. Se o tempo que hoje termina pôde albergar todos os silêncios e discordâncias, abre-se agora o tempo para a palavra e para o consenso. Embora nem todos estejam bem sintonizados uns com os outros.