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A sucessão inusitada de episódios pouco dignificantes por parte da Comissão Europeia no processo de hipotéticas sanções a Portugal, que foi de ameaça em ameaça até ao perdão final, trouxe-me à memória o percurso de Grécia desde janeiro de 2015, momento em que Alexis Tsipras passou a liderar o Governo desse país. Passado o momento da euforia inicial, onde os rasgados elogios da então oposição, a reverência embevecida de eurodeputadas e a redenção ao modo "fashion" do implacável Yanis Varoufakis deram o tom à festa, assistimos a um longo braço de ferro que terminou com um referendo a aprovar a não aceitação das medidas de austeridade que Bruxelas tentava impor. A seguir foi a surpresa: novas eleições antecipadas menos de um ano depois das anteriores, novo Governo com o mesmo líder e, pasme-se, a negociação de um terceiro resgate com condições bastante piores do que as que vigoravam anteriormente.
Todos nos recordamos das imagens com as filas intermináveis da população grega à porta dos bancos e o impacto que isto causou, com um crescimento natural de admiração pela resistência deste povo, em grande parte sem responsabilidade pelos desvarios de um grupo restrito que ao longo de anos conduziu o país a uma situação lamentável.
O que terá levado Tsipras a dar passos tão arriscados? Já então em rotura com Varoufakis, ele percebeu rapidamente que ao contrário do que normalmente se pensa, a situação num país que está económica e financeiramente muito mal pode sempre piorar. E bastante, como foi o caso. Sabia que governar para cumprir a miríade de pequenas promessas seria um calvário sem fim e sem rumo, com afogamento lento em aumento de impostos. Pelo contrário, a rotura com a Comissão Europeia criaria o clima político necessário à sua legitimação. Mas com uma pequena e terrível consequência, que foi a de um país desfeito e resignado pela negativa. Isto mostra o lado mais obscuro das crises, que é o da ilusão das soluções milagrosas, normalmente desfeitas pela dureza da realidade. Daí este silêncio perturbador.
Quero o melhor para o meu país e por isso sucesso para quem tem a responsabilidade de nos governar. Com a esperança de que a anestesia do Banco Central Europeu seja usada para o sucesso de uma operação, não apenas para suavizar uma doença crónica.
* PROFESSOR CATEDRÁTICO DA UNIVERSIDADE DO PORTO