É compreensível que a comunicação social, os jornalistas, os comentaristas e todos aqueles que, profissionais ou amadores, partilham o uso da palavra no espaço público tendam a antipatizar com o "dia de reflexão" prescrito pela legislação eleitoral portuguesa. Será nesse interregno do debate político que os eleitores, aproveitando o silêncio imposto por lei, irão formar a decisão de voto? É ingénuo pensar-se assim, tanto mais que, se os comícios cessam, se fica silenciada a palavra dos candidatos, a voz dos jornalistas, comentaristas e propagandistas, permanece ao alcance de quase todos o caótico debate da Internet, por toda a espécie de sítios, blogues e redes sociais.
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Apesar de tudo, mesmo com o risco da antipatia, ao contrariar múltiplas vozes poderosas (ou tidas como tal), aprecio o dia de reflexão, não por acreditar que todos os eleitores se vão dedicar a reflectir, sopesando, cuidadosamente, palavras e argumentos dos diversos concorrentes, ou esclarecendo em debates racionais as dúvidas que, nalguns casos, os fazem ainda hesitar na escolha (ou não escolha).
Simpatizo com o dia de reflexão pelo relativo silêncio que nos traz e só voltará a romper-se logo à noite com os discursos e comentários a celebrar os vencedores, estigmatizar os vencidos, fixar as interpretações, glorificar as vitórias ou minimizar as derrotas. Para dizer francamente, há mais de oito dias decretei, para uso próprio, o silêncio, neste período em que se impõem o ruído e a polémica. A última semana de campanha é particularmente penosa. Intensificam-se os ataques "ad hominem". Constroem-se os argumentos de desespero. As palavras acumulam-se num enorme ruído, onde não é fácil destrinçar o debate razoável da propaganda demagógica.
O silêncio é relativo, claro. Não se inscreve no rigor da definição que o descreve como ausência de som e de ruído. Na rádio, escolho a RFM ou a Antena 2; na televisão, o canal Mezzo; nos jornais limito-me, o que já é imenso, aos títulos de primeira página. Na Web, evito encontros indesejáveis com espaços de discussão política.
Não é o silêncio absoluto, impossível de obter, mesmo nas florestas mais afastadas das grandes metrópoles. É o silêncio possível que, no dia de reflexão e no dia da votação até ao encerramento das urnas, atinge um grau razoável, graças à imposição legal que força os meios de comunicação tradicionais a omitirem os temas de campanha.
O dia de reflexão, mesmo que tenha apenas significado simbólico, vale pela ilusão de silêncio que contribui para criar. Não terá eficácia política, na medida em que não nos faz regressar ao mítico espaço público das Luzes, idealmente regulado por um conceito forte de razão. Possui, no entanto, inegável valor ecológico. Como escreveu Pascal Quignard, "o silêncio está para os ouvidos, como a noite para os olhos". Este tempo intercalar permite um breve repouso, curto tempo de tréguas, antes que volte a instalar-se o nevoeiro sonoro e imagético - companhia inevitável de todos os habitantes da tribo.
