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O ministro Lacão resolveu opinar sobre a reforma do Parlamento e logo apareceram as críticas, não só de outros partidos - que se afligem porque a redução de deputados pode ter consequências na proporcionalidade - mas também dos seus correligionários, o que se entende por razões corporativas, já que põe em risco o tachito de alguns deputados da sua bancada, e ainda porque o PS é o grande responsável pelo enquistamento do sistema político. Para a sua nomenclatura já não chega defender com unhas e dentes a Constituição que, imposta pelo pacto MFA/Partidos, é o seguro de vida de toda a esquerda. Mesmo quando se trata de aplicar alterações permitidas pela lei fundamental, como é o caso da diminuição do número de deputados, o PS defende o "status quo", e recusa qualquer reforma que possa fazer perigar o situacionismo, ainda que seja proposta por um dos seus dirigentes, porque não lhe interessa mudar um sistema que, ao longo dos últimos 20 anos, foi um dos pilares da sua hegemonia na governação, de que só esteve afastado três anos porque Guterres fugiu, e o seu sucessor não teve tempo, ou carisma, para ganhar as eleições.
É pena que a proposta de Lacão não mereça discussão. Por um lado, porque sugeria que o eleitor pudesse escolher, na lista partidária, o deputado que considera mais próximo da sua forma de pensar e dos seus interesses. O voto unipessoal acabaria com a hierarquização nas listas de deputados que é imposta pelos aparelhos partidários, aproximaria o eleitor do eleito, e poderia melhorar a qualidade dos deputados eleitos e a confiança depositada no seu mandato. Por outro lado, a redução no seu número exigiria, a bem da proporcionalidade que já hoje é distorcida, que se revissem os círculos eleitorais, extinguindo-se os círculos distritais.
Estes novos círculos deveriam ser coincidentes com as NUTS. Desde logo, porque a divisão de Portugal em NUTS, estabelecida em 1986, aproveitou as três grandes divisões geográficas do país (continente, arquipélagos dos Açores e da Madeira) e as cinco áreas de actuação das comissões de coordenação regional (CCR) tornando-se na principal divisão territorial, sendo as suas unidades utilizadas para definir as áreas de actuação da maioria dos serviços desconcentrados do Estado, em detrimento dos distritos cuja extinção já foi, aliás, prevista em várias reformas administrativas, embora venha a resistir, em grande parte devido à sua utilização como círculos eleitorais. Assim sendo, poder-se-iam extinguir os inúteis governos civis, ao mesmo tempo que os círculos de maior dimensão protegeriam o princípio da proporcionalidade que interessa aos partidos mais pequenos, penalizados nos círculos eleitorais de dimensão reduzida onde nunca podem eleger deputados. A personalização do voto, para além dos benefícios acima apontados, seria ainda uma salvaguarda para as sub-regiões menos populosas, cujos eleitores poderiam escolher, dentro de cada lista partidária, o candidato a deputado mais identificado com os seus problemas.
O modelo híbrido, que conjugava círculos uninominais com um círculo nacional foi discutido há anos e morreu, vitimado pela doença limiana. Isso não obsta a que se reveja o sistema actual que se encontra caduco e ultrapassado. Não há motivo para que não se aperfeiçoe o sistema representativo em função de critérios razoáveis e democráticos, respondendo aos anseios da população, e contrariando o desamor dos cidadãos pela política, que se espelha na abstenção e no voto de protesto, e na crescente convicção de que o regime, tal como o conhecemos, está prestes a chegar ao seu fim.