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O clarão dos mísseis voltou a rasgar os céus de Damasco, e volta a estremecer o chão na capital da Síria feita inferno. O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, diz que voltámos à Guerra Fria, onde os mais poderosos se enfrentam na mais cínica das guerras, as de procuração, utilizando os recursos ou o território de terceiros para não terem de se enfrentar diretamente entre si.
E, no entanto, ainda há sete anos, por estes dias, andávamos a inventar a "primavera árabe", aquele perfume de esperança e jasmim que varria a vizinhança. Lembram-se? O que resta dela é desolador e sem remissão: um catálogo de horrores, crimes de guerra e um apocalíptico número de refugiados.
Sabemos hoje que, tirando a Tunísia, que se pacificou em democracia, dessa "primavera" resultaram revoltas, quatro líderes depostos e vários estados falhados. Mas também um imenso campo de batalha, em especial na Síria, naquele que é já o mais importante conflito do século XXI, em duração e consequências. E sem solução à vista.
O ditador de Damasco nunca foi flor que se cheire. Mas o que começou por ser, em março de 2011, uma revolta contra a tirania de Bashar al-Assad - que respondeu com uma sangrenta represália - converteu-se num atoleiro de guerra. Sete anos, meio milhão de mortos, 10 milhões de deslocados.
Estados Unidos e Rússia e respetivos aliados: Os dois blocos tradicionais arreganham os dentes e mostram músculo, nuns casos para distrair dos problemas internos, noutros para alimentar a indústria de armamento em que se especializaram. E tudo isto, enquanto o fracasso da União Europeia para conseguir que os seus membros cumpram o plano de acolhimento de refugiados mostra a incapacidade da Europa para abordar uma guerra que os seus mais fortes ajudaram a incendiar.
Das guerras sabe-se como começam e nunca como acabam. À revelia do Conselho de Segurança da ONU, a resposta da coligação anglo-franco-americana ao ataque químico assacado ao regime sírio (apesar de ainda não haver evidência que tal comprove) é, por estes dias, um novo e alarmante degrau no conflito. A maioria dos líderes ocidentais aplaude. Portugal, membro da NATO, diz que compreende e apazigua. Mas todos fazemos parte da mesma hipocrisia.
Por estas horas, o jornal "Diário do Povo" mostra Xi Jinping sorridente, fotografado entre tropas no convés de um porta-aviões, envergando pela segunda vez o uniforme camuflado do Exército Popular, para comandar a maior parada militar marítima jamais realizada nos mares do Sul da China. Eis o rufar de tambores e o tilintar de esporas a fazerem eco do outro lado do Mundo.
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