Aqui há uns anos, o JN denunciou um truque que os centralistas do Terreiro do Paço tiraram da manga e lhes permitiu desviar centenas de milhões de euros de fundos europeus para Lisboa: chamaram-lhe "spill over", assim mesmo, em inglês, para parecer uma coisa sofisticada.
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No fundo, e traduzindo, inventaram um "efeito difusor" que permitia sacar dinheiro destinado às regiões mais pobres (Norte, Centro e Alentejo) e aplicá-lo em Lisboa, de longe a região mais rica do país. Cada euro gasto na capital imperial teria, asseguravam, um "contágio positivo" sentido em todo o país. Uma generosidade nunca vista.
Com a injeção multimilionário na TAP passa-se mais ou menos a mesma coisa. O ministro Pedro Nuno Santos deu uma conferência de Imprensa, para celebrar a autorização, por Bruxelas, do plano de reestruturação, e o que se ouviu, uma e outra vez, foi a palavra Lisboa. Porque, se perdêssemos a TAP, as ligações a Lisboa passariam a ser feitas por outros. Porque, se perdêssemos o "hub" (em inglês, para parecer sofisticado) de Lisboa, então o "hub" passaria a ser em Madrid. E porque, agora, com toda esta liquidez, há vários interessados, já não em substituir a TAP em Lisboa, mas em colaborar com a TAP em Lisboa. Que surpresa.
Ainda assim, e apesar de tanta preocupação com Lisboa, lá veio o argumento do "spill over" outra vez. Porque, diz o ministro, a oportunidade de atirar 3,2 mil milhões de euros para o buraco da TAP, em Lisboa, é uma "vitória para a economia portuguesa e para o país". Fica a dúvida sobre que país será esse. Os portugueses que vivem na paisagem que fica do lado de fora da segunda circular não foram chamados a pronunciar-se. E os que precisam (e podem) viajar de avião, em turismo ou negócios, com partida ou chegada do Porto ou de Faro, têm uma de duas hipóteses: ou fazer um "stop over" em Lisboa, ou comprar bilhete noutra companhia. Por norma, a segunda hipótese. Porque a TAP não voa a partir do Porto e de Faro para praticamente lado nenhum e porque, quando voa, é muito mais cara. E não consta que venha aí nenhuma injeção milionária no bolso do cidadão ou na caixa da empresa. O que havia foi para a TAP.
*Diretor-adjunto