Numa semana sem grandes motivos de reflexão política, subsiste o descontentamento e a descrença em relação ao sistema político e aos seus agentes. Doença crónica das nossas democracias, tão paradoxal quanto é óbvio, apesar de tudo, que são sempre as opções políticas quem condiciona a boa ou má evolução da vida comunitária.
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Daí ser filha de um determinismo medíocre a ideia de que estamos condenados a uma vintena de anos de hiperausteridade e sofrimento. É possível, se nos moldarmos ao modo acomodado dos últimos anos, pode ser diferente se arregaçarmos as mangas, formos criativos e assumirmos opções políticas acertadas.
No entanto, essas opções terão de ser sempre audazes, heterodoxas, cortantes e sempre suscitadoras de resistências conservadoras. Serão sempre óbvias, mas sempre mobilizadoras de inércia de resistência de interesses instalados.
Para ilustrar o que quero explicitar recupero uma tese que já defendo há muitos anos.
De uma forma bem percetível é uma tese que envolve o que poderia ser a transformação radical da competitividade do futebol português no contexto global.
Com o advento do futebol - negócio - espetáculo, em substituição do futebol - desporto do século passado, o futebol português foi caindo paulatinamente numa segunda divisão competitiva. Corolário lógico de um mercado débil na demografia e frágil na dimensão da sua economia.
Como corolário desta realidade são medíocres as receitas de direitos televisivos, os lucros de marchandise, os proveitos resultantes da bilheteira e os benefícios decorrentes de patrocinadores. Daí a Europa do futebol se ter transformado no monopólio dos grandes clubes dos quatro gigantes económicos e populacionais, Alemanha, Espanha, Itália e Inglaterra.
Mas se olharmos para esta realidade como um projeto político, haveria solução para este imbróglio aparentemente estruturado.
Imaginemos que a partir da próxima época teríamos por consenso uma Liga Peninsular, onde as seis melhores equipas portuguesas alinhariam.
Instantaneamente, por decisão "política", essas pequenas/médias empresas nacionais transformavam-se em multinacionais de dimensão mundial. Com receitas de televisão a ombrear com as de um Barça ou de um Chelsea, com receitas de marchandise idênticas às de um Real Madrid ou de um Bayern de Munique, com estádios esgotados todos os fins de semana, com filas de patrocinadores a bater à sua porta.
Quanto à economia envolvente, nem vale a pena falar. Em fins de semana alternados algumas das nossas principais cidades seriam invadidas por dezenas de milhares de valencianos, catalães, madrilenos, andaluzes. Com poder de compra, a encher hotéis e restaurantes, a consumir no comércio tradicional.
Claro que para chegar a este desiderato teríamos de enfrentar a choraminguice provinciana habitual duma multidão que só olha para o próprio umbigo. Argumentos como o da perda da identidade nacional ou da perda de interesse de um campeonato nacional sem esses clubes ia ser repetidamente esgrimido.
Estultícia. O Barça joga a Liga Espanhola e não é isso que esmorece o nacionalismo catalão e uma liga nacional que apurasse um ou dois clubes para a Liga Ibérica só podia ser supercompetitiva.
Aqui está um exemplo inteligível e palpável de que a desgraça não é uma fatalidade, mas também que o sucesso pressupõe escolhas corajosas e audazes.
No futebol ou em qualquer outra atividade um bom futuro depende de decisões visionárias, impostas por quem é audaz e convincente.