Não há como o cheiro a poder para virem ao de cima as piores fraturas partidárias. Depois de anos de quase inexistência na Oposição, e quando começava a antever-se a possibilidade de uma mudança de ciclo, PSD e CDS ameaçam perder-se em lutas suicidas.
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Tentar travar processos de mudança em curso é um erro que deixa Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos no papel de quem tenta ganhar a corrida na secretaria. Mesmo se o conseguirem, ficarão fragilizados pela perceção de falta de legitimidade. E dividem ainda mais partidos cujos gritos só fazem perder tempo precioso para preparar uma alternativa credível ao Governo.
A novela das lideranças, sobretudo a do PSD, é um brinde inesperado para António Costa. Com a experiência que se lhe conhece, o primeiro-ministro não perde nem tempo nem oportunidades para alargar o eleitorado e ensaia um discurso que consiga piscar o olho ao centro. É fácil para as análises políticas antever que o PS capitalize o descontentamento de algum eleitorado do BE e do PCP, crítico do chumbo do Orçamento do Estado. Mas o primeiro-ministro sabe que nessas franjas tem pouco a ganhar e é ao centro que pode ir buscar novos votos.
Um discurso virado para a classe média, que acentue o facto de o partido não ter cedido aos radicalismos dos antigos parceiros à esquerda, serve bem esse propósito. Com dois outros trunfos adicionais. O Governo mantém-se em plenitude de funções e usará todas as medidas que possa para satisfazer o eleitorado. E o PRR é uma arma poderosa e um apelo precisamente à estabilidade e à lógica do voto útil.
É cedo para fazer prognósticos e o atual momento permite antever os mais variados cenários. As próximas semanas serão de clarificação quanto ao rumo seguido na escolha dos candidatos a primeiro-ministro. PSD e CDS ainda têm tempo de parar de desarrumar a casa e de se mostrarem prontos para governar. Mas cada dia perdido a cavar fossos internos é caminho aberto para que o PS se reforce. E para garantir a tão desejada estabilidade Costa pode nem precisar de uma maioria absoluta. Basta-lhe ganhar mais três ou quatro deputados e somar à sua bancada a disponibilidade manifestada pelo PAN. Mudança de ciclo? Só mesmo se a Direita ganhar juízo.
*Diretora