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O bloqueio policial à passagem de Emmanuel Macron nas ruas de Nova Iorque quando deixava a sede da ONU é simbólico de um país que faz stop à marcha do mundo civilizado, coage a liberdade de expressão, censura comediantes, questiona a ciência e a democracia, alienado ou entregue a uma espécie de conta paródia sobre si, estimulada por amor e pelo ódio. O telefonema que o presidente francês terá feito para Donald Trump é a imagem da chacota ao vivo e a cores, representação de quem opta por usar uma situação confrangedora ou inusitada para gozar o que pode com o agente de bullying.
Desconhece-se a dimensão da resposta do outro lado do telefone, mas a imagem de Macron a distribuir simpatia nas ruas de Nova Iorque contrasta com a de um homem pleno de rancor e soberba que, após ver o seu passo bloqueado perante umas escadas rolantes, desenrola um conjunto de grosserias e iniquidades históricas do alto do pedestal da Assembleia Geral da ONU. Que assimétricos bloqueios.
É difícil imaginar onde estará o Mundo daqui a dez anos ou como a História julgará este tempo daqui a cem. Dificilmente se conseguirá evitar que o julgamento do tempo olhe no retrovisor para os actuais grandes líderes e responsáveis políticos mundiais sem que caracterize este período como o do apogeu dos pequenos homens risíveis.
O que se espreme desta casta de uva americana é puro veneno. A negação das evidências, o desprezo pela verdade, a inversão dos factos, a alienação da livre expressão, a perseguição dos opositores, a vistoria dos telemóveis nas fronteiras, a renomeação da geografia dos mapas, a insensibilidade com o sofrimento, muros e mais muros, a indiferença perante as assimetrias, o incitamento à violência, o gozo e desdém pela diferença, os cortes na saúde, sistemas sociais e de protecção civil, a vontade de compra de territórios por anexação económica, a tentativa de eternização de poder pela alteração das regras constitucionais, o esconderijo réptil de ficheiros incriminadores, o braço dado a ditadores, a visão imunda de "resorts" em Gaza.
Lá como aqui. Os dislates proferidos por Trump no palanque da ONU são, todos eles, um tratado para que um dia não nos esqueçamos do que um dia permitimos crescer na sombra da demagogia, pelo falhanço de quem antes nunca lhes fechou a porta, tantas vezes pela incapacidade de estimular verdadeiras polícias públicas e responder aos anseios mais básicos das populações. A procura de um padrasto, regulador do caos, cresce pela ausência.