O primeiro-ministro disse ontem, durante o debate sobre o Estado da Nação, que, nesta altura, o Governo não está a estudar qualquer aumento de impostos para colmatar a perda dos milhões de euros que faltarão no lado da receita depois do chumbo do Tribunal Constitucional ao corte de subsídios na Função Pública. Devemos sentir-nos aliviados? Nem por isso.
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A menos que Passos Coelho consiga enganar a troika com um extraordinário passe de mágica, é muito evidente que vem aí mais austeridade. Aliás, recorrendo a uma metáfora pouco feliz, o primeiro-ministro respondeu a Louçã dizendo-lhe que não divulgava nenhum pormenor do Orçamento do Estado (OE) porque, se o fizesse, estaria a lançar "porcaria para a ventoinha" e a assustar os portugueses.
O receio de Passos Coelho não se entende: os portugueses vivem permanentemente assustados, porque, de cada vez que fazem contas, reparam que o dinheiro se vai com a mesma facilidade com que a areia da praia escapa por entre os nossos dedos.
Percebe-se, isso sim, o receio do primeiro-ministro: Passos Coelho chegou ao debate politicamente escaqueirado - não apenas pelo "caso Relvas", mas sobretudo porque a rua começa a dar sinais de profunda inquietação: os médicos não faziam uma greve como a de ontem há décadas; os enfermeiros pagos a 4 euros à hora prometem não parar; o número de pessoas sem trabalho já está para lá do milhão; há 150 mil portugueses a viver com menos de 300 euros por mês; está à vista uma perigosíssima fissura entre trabalhadores do setor público e do setor privado; e a execução orçamental não ajuda ao otimismo.
Acresce que o primeiro-ministro deixou agora de ter o escudo da equação europeia para se proteger. A troika vai dar-nos mais tempo (e porventura mais dinheiro) para pormos as contas em ordem, desde que o Governo coloque na bandeja mais um conjunto de medidas que garantam a justeza do modelo que nos foi aplicado. Ora, Passos já percebeu que a moeda de troca pelo alívio do garrote o obrigará a desenhar um OE duríssimo. Foi por isso que, ontem, tentou a todo o custo chamar o PS para um entendimento em torno daquele decisivo documento. António José Seguro fez-lhe um manguito político. O líder do PS sabe que o crédito de Passos Coelho junto dos portugueses está a esfarelar-se rapidamente. Sabe que Passos começa a dar sinais de desgaste. E sabe que não lhe convém nada ficar associado ao novo aperto que aí vem. Por que haveria de dar a mão a Passos?
"Os portugueses que estão a passar mal são os mais realistas", disse Paulo Portas no final do debate. "Querem que isto passe depressa". Pois querem. O problema é que "isto" não vai passar depressa. E o tempo, por ser de austeridade, é inimigo de Passos. Ele sabe disso.