O tempo é dinheiro? Mas não compra casas...
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Aviões. Casacos de pelo. Carros grandes. Casa com piscina em azulejos reluzentes.
Olhem! Uma colagem feita por mim no jardim de infância! Lembro-me que gostava muito de fazer colagens. Sentia-me inspirada e muito certa de que um dia eu teria tudo aquilo.
O conceito de riqueza sempre foi algo em que pensei, mas não genericamente. Não, não, não. Eu tinha as minhas definições de pessoa rica.
Aos cinco anos, uma pessoa rica era alguém com todos os símbolos já mencionados. Aos dez anos, era alguém que também viajava muito: para fora do país, especificamente.
Aos 23 anos, uma casa permanece uma miragem no deserto ao calor de 48 °C. E, nisso, o meu eu de cinco anos estava parcialmente correto. Uma necessidade básica, como a habitação, é efetivamente um símbolo de riqueza numa economia cujo metro quadrado custa 2851€ (dados de maio de 2025), e o salário mínimo é 870€.
A solução para muitos é viver em periferias de difícil acesso e trabalhar mais. Arranjar outro emprego, um side hustle, e um negócio que gera rendimento passivo: isto, enquanto a especulação aumenta. E, enquanto o dia tiver 24 horas, há muitas horas para trabalhar!
Talvez por isso o tempo seja um dos maiores símbolos de riqueza.
Madrugar, enfrentar o trânsito no desconforto dos transportes públicos, trabalhar, voltar a casa, ir às compras, comer, dormir. Não nos resta muito tempo: para tomar um café com amigos, para ir ao ginásio, para ler, para estudar. Não resta tempo para viver para nós, e, portanto, vivemos para trabalhar e desassociamo-nos de uma rotina cansada e nada gratificante. Riqueza paupérrima, não é verdade?
A meu ver, o direito à habitação digna é um direito básico. Parece-me que os edificadores das nossas políticas económicas concordam, e entendem que estamos dispostos a pagar mil euros por um T0 em Gaia. Assim, o imobiliário é lucrativo, e então temos um problema: quando o lucro é a preocupação, o foco é construir casas de luxo mais tarde inabitadas por falta de comprador; e podemos tranquilamente continuar a ignorar que 77 mil famílias vivem em condições indignas. “Mas ao menos têm casa, há muito sem-abrigo na rua!”, dizem uns; “Esses não querem é trabalhar”, dizem outros.
Estamos todos a falar do mesmo problema: uns pagam o que conseguem por uma (qualquer) casa, os outros já não conseguem pagar de todo.
É imperativa a mudança de pensamento: ter uma casa digna não é um luxo, é o básico. Ou, então, podemos continuar a fazer colagens com o tempo que não temos.