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Há uma cadência especial na política externa portuguesa que por vezes se assemelha a um carro-vassoura ou, pelo menos, a um daqueles ciclistas que nunca sai do pelotão senão quando acelera em nome de outros para apanhar um corredor em fuga, anulando a iniciativa. Pela sua geografia e pela sua História, Portugal poderia ser não um dos mais poderosos, mas um dos mais respeitados. Seria obrigado, para tal, a ter um fio de prumo. Deveria dar-se ao respeito, tomar o equilíbrio como uma opção própria e não passar das marcas, evitar as linhas de fogo, olhando-se ao espelho como horizonte se já os deu ao mundo, posicionando-se na vanguarda e na defesa do carácter humanista dos povos. Criadores e usurpadores, agora com pouco a ganhar e pouco a perder, periféricos com esse indulto. Poucos, como nós, poderiam reclamar o respeito por uma espinha dorsal fundada no movimento dos povos. Mas é preciso ser vertical, assumir essa dor.
O Estado português planeia reconhecer o Estado da Palestina em setembro, na Assembleia Geral das Nações Unidas, num movimento colectivo de cerca de 15 países (entre os quais, eventualmente, França, Reino Unido ou Canadá, juntando-se à maioria dos estados-membros da ONU que já o fizeram: 147 dos 193 já reconheceram a Palestina como Estado sem esperarem pelo momento onde, face a um genocídio, quase nada resta de um povo, de uma terra ou de uma ideia colectiva em vida soberana. Durante cerca de um ano, os governos de Luís Montenegro - como outros, anteriormente - não quiseram reconhecer a Palestina de forma imediata e unilateral. Foi preciso esperar para ver. Nunca é tarde demais, embora já com todo um pelotão em fuga, para que Portugal se cole a uma posição na qual poderia ter sido bandeira. É um Portugal deveras articulado, mas nem por isso menos marioneta.
Há um tempo para tudo e se a justiça não se materializa no tempo é um simulacro de justiça. O movimento pelo reconhecimento do Estado da Palestina não é indiferente porque a conciliação que se exige não é um tempo para nascer ou para constatar que há contas a ajustar. É um momento que exige paz e o fim da agressão. Há um lado simbólico que atravessa a indiferença e a mentira sobre a fome em Gaza, atroz e criminosa, tragédia que todos vêem e que alguns, como Netanyahu, negam sem pudor como se, ao esfregarem desinformação na nossa cara, conseguissem enganar a verdade ou toldar-nos pelo ódio. Há uma frieza no direito internacional que a política devia adoptar, sem proteger os perpetuadores do crime como crónicos e inevitáveis perpetradores. Não há neutralidade no tempo perdido, sobretudo quando se alimenta uma guerra até que quase nada reste.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia