Corpo do artigo
A vitória eleitoral de Lula da Silva nas eleições presidenciais brasileiras deixou o mundo civilizado um pouco menos tenso, em particular porque isso representou a não eleição de Jair Bolsonaro. Mas à medida que a poeira dessa noite histórica vai assentando, os brasileiros, e de uma forma geral todos os que prezam os regimes democráticos e livres, vão percebendo que a metade do Brasil que saiu derrotada vai esticar o radicalismo ao limite, contribuindo para uma degradação do espaço político similar à que vimos acontecer nos Estados Unidos (EUA) após a derrota de Donald Trump. O afastamento de Bolsonaro do centro do poder não o distancia dos bastidores da influência política. A herança do bolsonarismo será muito mais complexa do que fazem crer estas bolsas reativas que juntaram multidões em protesto e originaram cortes de estrada. Por múltiplas razões, mas sobretudo porque a base eleitoral deste movimento é inorgânica (Bolsonaro não tem um partido) e, no entanto, ele consegue ser extremamente eficaz e vocal quando se quer mobilizar.
A derrota de Bolsonaro pode ser muito perigosa para o Brasil que Lula quer começar a (re)desenhar. O ex-militar sabe como premir o gatilho da insurreição quando e se for preciso e deixou, na ambiguidade da reação ao desaire eleitoral, uma porta aberta para tentações futuras. Como nos EUA de Trump, a efervescência desse caldo social no Brasil ficará em banho-maria até que a válvula de escape se solte. E quando olhamos para a China, para a Itália, para a Rússia e para Israel, entre outros exemplos, percebemos que esse terreno minado dos autocratas floresce a grande velocidade. E mais cedo do que desejaríamos vamos ser confrontados com a escolha simplista mas perversa entre o bem e o mal. Não entre a esquerda, o centro ou a direita. Mas uma escolha entre os democratas e os outros. Entre a liberdade e a mordaça.
*Diretor-adjunto