Eu sei que o exercício é difícil e, atendendo ao nome dos protagonistas locais, altamente especulativo. Mas tente imaginar um cenário onde, durante as várias revisões do acordo com a troika, Portugal tinha tido um Governo que, confrontado com a proposta do FMI de cortar 400 milhões de euros nas pensões, propunha cortar exatamente o mesmo, mas nas despesas militares. Agora imagine que, perante este cenário, que tinha o apoio da Comissão Europeia, o FMI o bloqueava. Pois foi precisamente o que aconteceu, este fim de semana, com as negociações com a Grécia. O FMI comportou-se como o braço financeiro da NATO e a Europa viu-se na situação em que uma das decisões mais relevantes sobre o futuro do continente fica nas mãos de uma instituição não democrática e maioritariamente norte-americana.
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Quando, entre cortar nas reformas dos cidadãos ou nas despesas militares de um dos países que mais gastam no seu exército, alguém prefere manter os gastos militares, estamos conversados sobre a natureza do programa que se quer continuar a impor à Grécia. É o verdadeiro teste do algodão, o tal que não engana, como dizia um célebre anúncio televisivo.
Mesmo depois de Tsipras aceitar alterar as metas do défice, as instituições europeias continuam a exigir a extinção do IVA de 6% para os bens de primeira necessidade. O IVA reduzido, que é permitido em todos os países europeus, não pode ter lugar num país com preocupantes níveis de pobreza. E ainda diz Cavaco Silva que não pode haver exceções com a Grécia.
Para quem ainda tenha dúvidas sobre a política de capitulação que está a ser prosseguida pela troika, as palavras do presidente do Eurogrupo falam por si. "Não é correto pensar que podemos encontrar-nos a meio caminho". Encontro a meio caminho é a base de qualquer negociação e é o que deve existir entre estados igualmente soberanos.
Mas o que quer, então, a troika? Basicamente a repetição do mesmo programa económico e social que fez a Grécia perder 20% da sua riqueza e ver o desemprego disparar para mais de 26%. No "Financial Times", e não em qualquer publicação "esquerdista", um dos seus principais colunistas fez as contas. O impacto do que está a ser imposto à Grécia significaria uma queda adicional de 12,6% da riqueza nos próximos quatro anos e a escalada da dívida pública para níveis próximos dos 200%. Um duplo suicídio, alerta Munchau, para a economia grega e o destino político do seu primeiro-ministro.
Habituados a governos que aceitam cortar nas pensões e continuar a gastar em submarinos, está tudo a alinhar as fichas todas na cedência da Grécia. Vai-se a ver estão enganados.