O país acordou ontem para uma realidade que só nos incomoda a espaços, designadamente quando os apreciadores de números, estatísticas, gráficos e restantes coisas medonhas que a Matemática nos oferece decidem avaliar o peso da economia paralela em Portugal.
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Ora, segundo os últimos dados do Índice de Economia não Registada em Portugal - elaborado pelo Observatório de Economia e Gestão de Fraude da Faculdade de Economia da Universidade do Porto -, entre 2009 e 2010 a economia paralela aumentou 2,5%, para o máximo histórico de 24,8% do Produto Interno Bruto (PIB - a riqueza produzida pelo país). Estamos a falar de mais de 42 mil milhões de euros, metade do que pedimos ao FMI para podermos sobreviver.
É muito dinheiro? É uma brutalidade de dinheiro! A média dos 30 países da OCDE anda nos 18%, numa lista comandada por nós, pela Espanha e pela Grécia. A linha que mostra a evolução da nossa economia paralela é, de resto, impressionante: sobe de 9,3% em 1970 para 24,8% em 2010.
As causas e as consequências desta realidade são conhecidas. Tende a existir tanto mais economia paralela quanto maior for a crise que assola os países. A maior carga fiscal, a mais desemprego, a menos subsídios e prestações sociais, a menor entrada mensal de rendimentos, os trabalhadores e as empresas respondem com mais fuga ao Fisco e ao recurso a expedientes que engrossam a economia paralela.
Usemos esta imagem - hoje, há poucas actividades que garantam, à partida, um lucro de 23%. Se eu prestar um serviço sujeito à taxação de IVA mas não cobrar o imposto ao cliente, estou, à partida, a ganhar 23% "limpinhos".
É uma forma de ver o problema. Outra é esta: se nesta transacção (o chamado biscate), eu optar por cobrar o IVA, arrisco-me a duas coisas - o cliente recusa o trabalho, porque ele encarece 23%, e eu perco a remuneração. Levado ao limite, o raciocínio chega a uma conclusão trágica: ou fujo aos impostos, ou não garanto sustento em casa. Quer dizer: assumo que a ética e a cidadania, infelizmente, não matam a fome!
À economia paralela pertencem também os chorudos negócios que inventivamente conseguem ultrapassar o Fisco pela direita e pela esquerda. Sobre estes, o Estado tem vindo a declarar a sua incapacidade para os travar, ora porque os buracos na legislação são suficientes para escapar ao martelo da Justiça, ora porque a máquina fiscal tem uma malha demasiado larga para apanhar os prevaricadores.
Estamos, portanto, perante um fenómeno que tende a crescer nos próximos anos, na exacta medida em que haverá mais gente a precisar de matar a fome e haverá mais empresas a precisar de "compor" as contas e os balanços. É o preço a pagar por uma economia crescentemente desigual, periclitante, sem rumo e com escassíssimas saídas. A fraude é como o poder: ocupa o vazio num instante.