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Já todos a vimos nos filmes. Olhada lá, à entrada do campo de Auschwitz, sob o frio do inverno polaco, a inscrição é ainda mais hedionda. "Arbeit Macht Frei" ("O Trabalho Liberta"). A imagem daquelas letras enferrujadas num início de tarde sombrio de dezembro veio-me à memória este fim de semana quando a Juventude Popular (JP) apresentou ao congresso centrista a moção "Libertar Portugal, conquistar o futuro". É uma associação exagerada? Provavelmente. Mas repare-se no que defendem os jovens "populares: a redução da escolaridade obrigatória do 12.° para o 9.° ano em nome da "liberdade de aprender" que, para os subscritores do documento, é um "direito fundamental de cada pessoa". Este recuo civilizacional caucionado, pasme-se, por cinco governantes centristas, é explicado pela organização liderada por Miguel Pires da Silva com a necessidade de conter o abandono escolar. Fenómeno que os centristas atribuem à perda de tempo que é, para muitos portugueses, frequentar a escola mais do que nove anos. Depois disso, o bom destino seria a ida para a fábrica ou para a lavoura que o PP tanto venera. Não o dizem, mas pensam: o trabalho liberta, a escola só liberta alguns.
Não sei se algum membro da Juventude Popular já teve oportunidade de cruzar o arrepiante portão metálico do mais sanguinário campo de concentração nazi onde as SS acreditavam poder libertar pelo trabalho ou, à falta deste, na câmara de gás contígua. Ignoro se algum dia passou pela cabeça de algum dos jovens dirigentes centristas trocar o sol das Caraíbas ou do Nordeste brasileiro de uma viagem de finalistas, por uma ida até Auschwitz--Birkenau. Desconheço se, na melhor das hipóteses, terão aceitado uma viagem à borla oferecida pelo Parlamento Europeu para visitar um lugar que é Património da Humanidade e, mais do que isso, um útil soco no estômago da falta de memória. Sei, isso sim, dos riscos de se associar a liberdade ao trabalho e imagino o perigo que representaria esta pretensão de uma parte da Direita que irrevogavelmente nos governa. Até porque não estamos livres de, num próximo congresso, a JP se lembrar de pedir o abaixamento da idade mínima de ingresso no mercado de trabalho para assim dar a um menino de dez anos a "liberdade" de poder ir coser sapatos para uma garagem de Felgueiras.
A diminuição da escolaridade obrigatória, curiosamente fixada no 12.° ano pelo atual ministro da Educação, membro do Governo da coligação PSD/PP, é uma proposta arrogante, ignorante e pequenina, já que, em vez de permitir a liberdade de aprender, potenciará, isso sim, a liberdade de não aprendizagem. Os regimes totalitários, todos sabemos - e muitos portugueses viveram-no até 1974 -, alimentam-se da literacia duvidosa dos indivíduos. É um obscurantismo a que nos devemos opor frontalmente. Felizmente no CDS-PP de hoje há ainda pessoas com bom senso e cultura democrática capazes de dizer não a este desvario da Juventude Popular.