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Esta foi a semana ideal para acompanhar a rentrée política. Começou com um tema bem folclórico para combinar com as eleições autárquicas que estão quase aí. O Chega deu-nos bom entretenimento e ainda bem, porque se dependesse do Governo para ter temas giros para falar, já não escrevia desde que, em novembro, o Ministério da Saúde obrigou a Direção-Geral da Saúde a recuar naquela ideia maluca de substituir o azul e o rosa nos boletins de saúde infantil por uma cor universal.
Na noite de quarta-feira, somos surpreendidos com uma publicação do líder do Chega com a legenda "O Parlamento aprovou a ida do presidente da República à Alemanha para ir a um festival de hambúrgueres. À conta dos nossos impostos. Acham isto normal?", acompanhado com uma filmagem em que se mostrava todo inchado, dizendo "Isto é uma bandalheira. Mas sabem porque é que isto passa? Porque vocês não sabem disto. Vocês não se revoltam com isto porque não sabem". Não sabem porque não existe. Só na tua cabeça, André. Revoltar contra quê, André? Valha-me Deus. Eu não via um desagrado tão grande com carne picada desde que o meu avô disse a última vez que hambúrguer não é comida. Mas confesso que quando ouvi a frase "o Parlamento aprovou a ida do presidente da República à Alemanha para ir a um festival de hambúrgueres" me fez pensar genuinamente que o tipo estava bêbado. Era hora de jantar, a semana já ia a meio, apresentou-se na imagem com a camisa meio desabotoada e de certeza que aquilo dos hambúrgueres lhe saiu porque já está a imaginar a ressaca de amanhã. Mas não. Nesse dia, durante os trabalhos parlamentares, toda a bancada do partido votou contra esta visita oficial. Imaginem, se tivesse sido um convite do Putin para Portugal encabeçar as negociações de paz que vão definir a estabilidade económica e social no continente europeu durante os próximos 30 anos, a resposta do segundo maior partido da Oposição seria: "Presidente da República convidado para ir ao Kremlin? Mas andamos a pagar idas a discotecas que estiveram na berra em Lisboa nos anos 2000? Será que os portugueses não se revoltam?!" Em 60 pessoas naquela bancada, já sem contar com a catrefada de assessores que trabalham nos seus gabinetes, não houve uma única que tenha pensado "Hmm... se calhar, vou saber em que é que vou votar hoje". Eu nem quero imaginar no que está para trás, mas alguém tem de fazer este trabalho de investigação. O rigor e profissionalismo são tais que é possível que tenham votado contra o aumento de fundos do SNS porque "o SNS está mal e não precisa de bater mais fundo".
A esta altura, todos sabemos que bürger em alemão é cidadão e não, não podemos pôr no CV que já temos o nível 2 de alemão só porque acrescentámos, esta semana, uma nova palavra à lista "shnell", "fraulein", "auf wiedersehen" e "Rex", que foram as que aprendemos com o major Alvega, com a Heidi Klum e na série Rex, o cão-polícia que dava aos domingos de manhã. Podemos concluir então que para o líder do Chega, cartão de cidadão em alemão é daqueles cartões em que ao décimo carimbo ganhamos um menu grátis.
Depois de ter percebido o erro, o presidente do Chega não admitiu a derrota e justifica o seu "lapso" devido à agenda de Marcelo dizendo que o chefe de Estado anda sempre a laurear a pevide e que já fez "1500 viagens presidenciais". Pumba! Qual é o problema? É o de sempre. É mentira. Se isto fosse verdade, seriam 150 por ano, dado que estamos a falar de dois mandatos. E isso não é possível porque só nos últimos anos eu fartei-me de o ver a comer gelados em Belém, a nadar praticamente todos os dias nas praias da Linha, a receber partidos para mandar o país para eleições. Apuraram-se os números e concluiu-se que foram 165 em dez anos. Dá 16 por ano. Mas lá está, é um partido e um líder que podem fazer e dizer o que lhes apetece. Criam as suas próprias regras. Mais do que um partido, o Chega é uma daquelas tabuletas que as adolescentes têm no quarto.