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O Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 21.oº e 25.oº, da Lei do Orçamento do Estado para 2012 que previam o corte, para os anos de 2012 a 2014, dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários e agentes do estado, bem como das pensões de reforma e aposentação do sistema público de segurança social. Num acórdão de 5 de Julho passado, o TC considerou que aquelas normas do OE violam o princípio da igualdade, na dimensão da igualdade na repartição dos encargos públicos, consagrado no artigo 13.oº da Constituição. Refira-se que este artigo estabelece que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, não podendo ninguém ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. O TC decidiu também no mesmo acórdão que a inconstitucionalidade só produz efeitos a partir de 2013. Ou seja, sem qualquer fundamentação jurídica aceitável, a Lei do Orçamento de Estado para 2012 é declarada inconstitucional mas isso não se aplica, precisamente, no ano de... 2012.
É penoso ver o TC enredar-se nas teias (e nas peias) políticas que um grupo de deputados lhe montou e não ver que esta decisão fere como nenhuma outra a sua credibilidade. Ela assenta em motivações políticas e não apresenta uma fundamentação jurídica coerente e convincente. A ideia de que existe um princípio jurídico-constitucional de igualdade na repartição dos encargos públicos que impediria o estado de cortar nas retribuições dos seus funcionários (diminuir a despesa) sem ir também cortar nas retribuições dos trabalhadores do sector privado (aumentar a receita) é uma invenção apressada do TC que não tem qualquer expressão nem na letra nem no espírito da nossa Lei fundamental. Tal levaria a que, com os mesmos objectivos, o estado não pudesse despedir funcionários, pois quem não pode o menos (cortar nas retribuições) não poderia o mais.
Aquela decisão é própria de quem está prisioneiro de uma idiossincrasia de funcionário público, pois parte da errada concepção de que o estado, ao cortar os subsídios dos seus funcionários, estaria a proceder a um aumento da sua receita e não a um corte na sua despesa, ignorando que uma e outra são caminhos diferentes e autónomos de contribuição para o equilíbrio orçamental que (apenas) convergem no saldo final. A decisão do TC só seria aceitável se o estado pagasse as retribuições a todos os cidadãos e apenas as cortasse a alguns. No fundo o que a decisão do TC exige é que, em face desse putativo princípio da igualdade de todos perante os encargos públicos, o governo vá, agora, também apropriar-se dos subsídios dos trabalhadores do sector privado necessários ao pagamento das despesas que o próprio TC o impediu de diminuir.
Sejamos claros! O grande erro do governo não foi o de só querer aplicar os cortes dos subsídios aos funcionários e agentes do estado. Foi o de querer aplicá-los a todos eles e, também, o de, ao mesmo tempo, ter permitido algumas excepções (por imposição de - ou para agradar a - alguns lóbis ou personalidades, entre as quais, o presidente da República) e/ou o de não ter permitido outras, criando, assim, uma discriminação insuportável para algumas castas de funcionários (juízes, p.e.). Todos compreenderiam melhor uma excepção para os juízes (em nome da sua independência funcional) do que para os funcionários do Banco de Portugal (para não encurtar ainda mais os rendimentos do PR).
Por mim estou contra aqueles cortes, não pelos fundamentos jurídicos do acórdão do TC (que os não tem), mas sim por razões políticas, designadamente porque o primeiro-ministro dissera antes das eleições que não faria tais cortes e, uma vez eleito, não hesitou em fazê-lo, mostrando, assim, uma inominável falta de respeito não só pelos eleitores que nele acreditaram mas também pela sua própria palavra de homem público; mostrando, em suma, a sua falta honradez política.