O triplo salto de Marinho
Os números gordos aguçam a ambição. É assim na vida e não são poucos aqueles que, bafejados por um qualquer jackpot, se desgraçam na aventura dos passos mais longos que a perna. Marinho e Pinto (MeP), com os seus 240 mil votos, é um desses personagens. Não satisfeito com o primeiro salto, exige a Lua e, qual aspirante a campeão olímpico, ensaia o triplo salto de sonho: Bruxelas, São Bento e Belém.
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O problema do triplo salto, e aqui reivindico a minha experiência de ex-praticante, é que se exige equilíbrio em cada um dos passos (designados hop, step & jump), de forma a não comprometer o resultado conjunto. E o erro mais comum do principiante é arriscar tudo no hop (o primeiro), o que significa que a perna pode não aguentar o impacto para voltar a levantar o peso do corpo para os dois passos sucessivos. Ora MeP fez justamente isso. E arrisca-se a que o mundo o esmague, muito embora seja provável que os seus truques de marketing lhe possam ainda render dividendos por algum tempo.
Quando, logo no primeiro mês de deputado europeu, MeP acordou chocado com o seu salário, de que no entanto não admite abdicar pois a vida custa a todos, ficou claro ao que vinha. O triplo salto é assim mesmo, vive da velocidade e brevidade do contato com o solo. Vai daí, apraza o seu abandono de Bruxelas, que acredito não ficará especialmente triste ou pobre pela sua deserção. No mesmo movimento, deserta também do seu affaire com o MPT, assim, de repente, sem um telefonema, nem uma carta manchada de lágrimas, nem mesmo um post-it no vidro do carro.
John Baker, o líder do MPT, está destroçado, classificando mesmo a situação de "maçadora". Então o homem, a quem emprestou o prestigiado nome do partido para representar a nação na distante Bruxelas, não ia ser presidente do partido, cabeça de lista às legislativas, quiçá ministro (pode ser mesmo da Saúde porque a Justiça entrou em estado de Citius) e, por fim, candidato às presidenciais?
MeP, homem de justiça e de consensos, já avisou que não é seu costume alimentar peixeiradas. "Como advogado fiz dezenas de divórcios e sempre defendi que os casamentos devem terminar com elevação", terá dito, pelo que li no "Expresso". O problema é que há quem pense que esta história está mais perto do conto do vigário do que do divórcio.
Vamos então ao passo seguinte do triplo salto olímpico de MeP. A súbita criação de um novo partido. Para princípio de conversa, o novel político deixa claro que sai porque na sua barriga de aluguer se defendiam interesses pessoais e familiares. Ora, justamente por repudiar este tipo de agendas, bate com a porta e lança um novo projeto político, esse sim, democrático, abrangente e plural. E rasga horizontes com os inovadores princípios da "liberdade, solidariedade e justiça", prometendo defender "idosos, crianças e deficientes". Espantoso!
Aqui está, preto no branco, a delimitação do público que MeP endereça: os mais vulneráveis e, entre estes, seguramente os menos letrados. É um clássico dos nossos tempos. Por essa Europa, face às insuficiências das respostas dos partidos tradicionais, surgem os movimentos que capitalizam sobre o descontentamento do exército de descamisados. E são de dois tipos, ambos perigosos: aqueles que têm base ideológica mas que são extremistas e aqueles que são apologistas do "Eu", mais comummente designados por oportunistas. E aqui convém recordar que MeP não descurou a corrida de balanço do seu triplo salto, pois desdobra-se, desde há muito, nos programas televisivos do horário da manhã, justamente a faixa que congrega em frente ao pequeno ecrã os não ativos, muitos dos quais anseiam alguém que lhes fale ao coração, seja verdade ou mentira.
É um regalo ver MeP por estes dias na televisão, entre o surpreendido e o indignado, queixando-se dos críticos e, sobretudo, dos jornalistas. De um homem que passou os últimos anos a criticar tantos, com a legitimidade que o Estado democrático lhe confere, esperar-se-ia, no mínimo, algum poder de encaixe quando é ele o objeto da crítica.
Sabem os atletas que um saltador em comprimento dificilmente tem sucesso no triplo salto. É outra a exigência. Requer um certo golpe de asa quando se encadeia a sequência hop, step & jump. A energia de um passo tem de ser catapultada para o seguinte. Assim, a minha sugestão é que MeP não desperdice os tempos do MPT e batize o seu novo partido justamente com a mesma sigla. O novo MPT seria agora o Marinho Pinto Total, já que não há cargo a que não ambicione.