O Verão dos fogos florestais já começou, mas a cortina imaginária que separa o período reservado às férias, em que o país político, económico e social se transfere para o Algarve ou para outros lugares turísticos, do recomeço em pleno da vida política. Dispositivo convencional, a tal cortina estival manterá a lume brando alguns sectores da actualidade política nacional, mas, presumo, a avaliar pelo teor dos telejornais e das manchetes da imprensa, que pouco ou nada se fará sentir no campo da Justiça, em que as lutas entre os vários "operadores" prosseguirá com regularidade, envolvendo legisladores, juízes, magistrados, advogados e outras figuras ligadas àquilo a que se chama "a administração da justiça"
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O problema não se resume ao tempo lento da justiça a divergir do tempo da vida social, política e económica, parcialmente atribuível à lentidão da máquina burocrática, a que se vem juntar o que alguns consideram ser o excesso de "garantismos", ou seja, dos mecanismos de protecção dos direitos dos cidadãos que, a serem usados com perícia, permitem prolongar no tempo, de recurso em recurso, determinadas decisões dos tribunais. No outro extremo destas críticas, estão os que põem em causa a condução de inquéritos pelo ministério público e/ou pela polícia judiciária, sem respeito pelos direitos dos cidadãos, nem pelo simbolismo de instituições da democracia, como é o caso da Assembleia da República.
A situação agrava-se ainda, numa zona mais opaca ao olhar do cidadão comum, com as lutas internas em determinados "corpos" de "operadores" da justiça: juízes, magistrados, polícias, amplificadas pela intervenção de organismos autónomos como o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público. O relacionamento destas pessoas e entidades com o poder executivo os partidos políticos e determinados grupos de interesse ou de pressão, aparecem placidamente descritos nas páginas dos jornais, como se estivesse em causa o desenrolar de um combate normal, legítimo e transparente.
O desenvolvimento moroso e seguido de perto por diversos órgãos de comunicação (onde se digladiam interesses antagónicos), culmina agora na luta em campo aberto entre o Procurador-Geral da República e o Presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, com o PGR a queixar-se da falta de poderes para exercer condignamente o cargo, em face de um Ministério Público dividido em pequenos "feudos", a que seria necessário por termo. Para alguns teremos chegado a um ponto alto de "transparência" (quiçá, pseudo-tranparência), com os meios de comunicação a "conotarem" juízes, magistrados e "sindicalistas" do sector com partidos políticos ou poderes económicos. A tudo isto se vem adicionar a voz do Bastonário da Ordem dos Advogados, que, apesar das divergências no seu próprio campo, pede meças a qualquer dos seus parceiros no que se refere a um discurso desassombrado e polémico.
O divertido título da Visão acerca da polémica entre o Procurador-Geral e o Sindicato - "Relato de uma zaragata" - traduz bem o estilo a que se alcandorou o debate sobre a Justiça. A cena toma tais proporções - para mais estando em causa, de forma indirecta a figura do primeiro-ministro - que já se ouvem vozes a apelar à intervenção do próprio Presidente da República, com vista a propiciar soluções conciliatórias. Não parece, por melhores que sejam as intenções (ou a sua utilidade no presente caso), se encontre desse modo a solução capaz de conceder ao Procurador - Geral da República o estatuto que se afigura desejável. Não é apenas o caso Freeport. Talvez seja necessário encarar soluções mais radicais, no plano institucional (mais claramente: em sede de revisão constitucional) que possam reforçar, em simultâneo, os poderes e legitimidade do Procurador-Geral.
