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Há coincidências felizes. Vivendo o país uma conjuntura depressiva, o receituário conveniente na perspectiva enganosa passa por gerar o fogo-de-artifício bastante para distrair o povo. Na impossibilidade de a esmagadora maioria dos portugueses fundir o estado de alma pobretano com o alegrete, assim como assim criam-se os motivos bastantes para o distrair do essencial: o aperto das suas condições de vida.
A Justiça, por exemplo, é área garantidamente alimentadora de episódios balançados entre o surrealista e o anedótico, não se desse o caso de mexer com princípios basilares inegociáveis de um Estado de Direito. O fresquíssimo caso do prende-desprende de Isaltino Morais está, é claro, no topo dos processos exemplificativos de degradação do sistema. Mas há muitos outros disponíveis para o entretenimento de cada qual.
É preciso um bom charivari, assentando como uma luva no enunciado da necessidade de manter o povo distraído do essencial? Se sim, ora aí está a retoma do celebrizado caso do túnel da Luz protagonizado no final de um Benfica-F. C. Porto, extravasando-o do lamentável processamento de âmbito disciplinar desportivo em que se moveu meses a fio, ao ponto de toldar o juízo de eminentes juristas (!) em debates públicos nos quais o entendimento das leis foi enviesado consoante as cores clubísticas, ora mais azul ora mais vermelho.
Agora, quase dois anos depois e após uma queixa - o Benfica-F. C. Porto realizou-se a 20 de Dezembro de 2009 -, o DIAP de Lisboa resolveu deduzir acusação a cinco jogadores do F.C. Porto, por alegadamente se terem envolvido em desacatos com dois seguranças - tipos muito probos, exemplares chefes de família, presume--se. É garantido: atendendo ao impacto mediático dos protagonistas do futebol, esta retoma de um caso passado numa zona não pública, está fadado para acirrar mais uns ânimos, gerar comentários pejados de irracionalidade e, pois, pois, desconcentração dos problemas essenciais do país.
Seria bendito este processo, não se desse o caso de colocar a nu, por um lado, o modo mastodôntico e arrastado como a Justiça funciona - quase dois anos depois ainda no primeiro patamar!, imagine-se - e, por outro, um afã justicialista de duvidosa reclamação quando há milhares e milhares de processos a entupir os tribunais e a prejudicar cidadãos e empresas.
O Ministério Público fez agora o que lhe competia? Logo se verá, tantos são os exemplos de acusações feitas com os pés, caídas por terra nas barras dos tribunais após mancharem de modo irreversível a honra de pessoas e instituições.
A retoma, pela via judicial, do chamado "caso do túnel", estará legitimada. Não se livra, no entanto, de um estigma de dúvida provocado pelos agentes de Justiça. Afinal, não basta ser sério; é preciso parecê-lo.