As eleições de 5 de Junho vão ser provavelmente precedidas por uma campanha eleitoral conduzida em termos de uma retórica violenta, em que a procura de culpados e "bodes expiatórios" será a tónica dominante. Não será muito original sublinhar que todo esse debate será estéril. Contribuirá sobretudo para aumentar a descrença dos cidadãos no valor da participação política.
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Esta conjuntura tem precedentes históricos longínquos, na bancarrota de 1892, em plena monarquia constitucional, e nas intervenções do FMI nos anos 70 e 80 do século XX. À semelhança de tantos outros, estes paralelismos são imperfeitos, desde logo, porque, no ano da graça de 2011, em plena globalização económica e financeira, Portugal pertence à chamada "zona euro" e dispõe de uma margem de decisão própria muito reduzida em matéria económica e financeira.
Sem menosprezar a responsabilidade do actual e de anteriores governos, a raiz da crise financeira e económica em curso é de natureza internacional, radica num longo movimento, sem precedentes desde a "grande depressão de 1929", que se iniciou nos Estados Unidos, se transferiu para a Europa, onde atingiu com maior gravidade países como a Grécia, a Irlanda, Portugal, sem esquecer economias de maior dimensão, como a Espanha e a Itália. A Alemanha reunificada, principal potência europeia, sob a liderança de uma cidadã educada para a democracia na antiga RDA, alheou-se, tanto quanto pôde, do problema, enquanto apostava na rigidez dos mecanismos financeiros e nas receitas de austeridade.
É justo sublinhar que o comportamento desconexo e tardio da Europa comunitária e da "zona euro" possuem graves responsabilidades nas situações instauradas em países como a Grécia e Portugal. Tão pouco é necessário ser perito em economia e finanças para compreender que a conjugação de medidas restritivas e o estímulo ao crescimento económico são, na prática, inconciliáveis.
Sem sabermos qual será exactamente a "receita" que os organismos internacionais nos ditarão, a fim de concederem a solicitada ajuda financeira, afigura-se claro que é imprevisível o momento em que se poderá vislumbrar a famosa "luz ao fundo do túnel", por muito que se multipliquem os protestos, manifestações e actos de contestação social que todos os dias as televisões nos trazem da Grécia e as (por enquanto) bem comportadas greves lideradas, em Portugal, pela CGTP e outras forças sindicais e sociais. A anunciada reunião entre dirigentes do PCP e do Bloco de Esquerda, fenómeno sem precedentes no nosso país desde 1975, ajuda-nos a compreender o que nos espera em termos de contestação política e social. A aproximação das receitas do FMI, intermediadas por instituições internacionais, deveriam conduzir o PCP e o BE a equacionarem as suas orientações em termos europeus, visto que não haverá solução para a crise apenas no rectângulo ibérico.
Quem vencerá as eleições? Sairá uma maioria na Assembleia da República das próximas legislativas, nem que seja através de uma coligação entre o PSD e o CDS? A obstinação de José Sócrates será premiada com um segundo lugar, suficiente para impedir uma governação a solo da direita? O equilíbrio de votos entre o PS e o Bloco de Esquerda será determinado pelo critério do mal menor ou pela vontade de soluções alternativas?
As sondagens apontam apenas possibilidades ainda incertas. De todas as incógnitas a mais relevante diz respeito ao grau de abstenção. A crise fará aproximar os portugueses das urnas? A convicção de que tudo depende de opções ditadas de fora para dentro terá efeitos desmobilizadores?
A situação do Presidente da República também não é cómoda. Após ter optado pela dissolução da Assembleia da República, num quadro que, valha a verdade, o justificava (embora fosse possível imaginar alternativas mais ousadas), a situação do Presidente ficará fragilizada se não sair das urnas uma maioria absoluta do PSD ou PSD-CDS. A possibilidade de um "bloco central", à semelhança dos anos 80, parece altamente improvável, atendendo às características das lideranças do PS e do PSD. Se assim acontecer, o que não sendo provável, também não é impossível, má sorte para o Presidente Cavaco Silva.
