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Ainvocação do período de crise financeira dos anos 80, com intervenção do FMI na economia portuguesa, sob o governo de coligação PS-PSD, tem sido constante ao longo das últimas semanas. O modelo do "bloco central", importado da Alemanha ("grande coligação") no início dos anos 80, foi também chamado à colação. Soares era primeiro-ministro, Ernâni Lopes ministro das Finanças. O PS estava no Governo "a corpo inteiro". O PSD apenas a meio corpo.
Em 1984, o Governo português assinou o pedido de adesão à (então) CEE. A factura de austeridade do "bloco central" foi paga nas legislativas de 1985 pelo PS, para benefício do PDS de Cavaco Silva e do efémero PRD. Por ironia do destino e mérito da tenacidade, Soares ganhou as presidenciais.
Sob as ruínas do "bloco central", Cavaco Silva assumiu a chefia de um governo monopartidário e intercalar, de curta duração. Após uma moção de censura na Assembleia, seguiram-se eleições intercalares, vencidas pelo renovado PSD de Cavaco Silva. Após duas maiorias absolutas do PSD, registou-se o maior ciclo de estabilidade governativa sob a Constituição de 1976. Terminava, deste modo, reforçada pelos fundos comunitários, a frágil tese da impossibilidade prática de gerar maiorias absolutas no sistema eleitoral português.
Reduzida a esta meia dúzia de linhas, a história deste quadro fica demasiado simplificada, mas serve para reduzir o âmbito das análises comparadas entre 1995--97 com o ano de 2010. Cavaco Silva, sem maioria em São Bento, no seu primeiro Executivo, preferiu governar sozinho, em vez de ressuscitar as coligações com o CDS ou com o PS. O país teve uma década de governos monopartidários, sustentados por (duas) maiorias absolutas, até meados da década de 90. Foram anos de pluralismo com um partido dominante. Um comentarista da época chamava-lhe "unipolaridade laranja".
As alusões ao "bloco central", à direita, passaram a ser citadas em sentido pejorativo: sinónimos de tibieza, indecisão, concessões ao PS, instabilidade governativa. Progressivamente, a fórmula foi desaparecendo do debate político. As gerações mais jovens conhecem mal (se não desconhecem de todo) este período histórico, nem foram incentivadas a compreender essa época inicial da história contemporânea de Portugal.
Só em 2009 certas personalidades começaram a aludir, em surdina, ao possível renascimento da esquecida fórmula do "bloco central". A crise de 2008 no plano internacional, comparada nos Estados Unidos à derrocada financeira de 1929; a intervenção estatal em bancos privados no plano interno; o rumor do advento da austeridade, com ou sem recurso ao FMI; a dureza das condições impostas aos países da Zona Euro, por Bruxelas e Berlim, ressuscitaram a ideia de "bloco central" em vários sentidos (apenas acordos interpartidários, versão fraca; ou coligação forma; versão fraca), após eleições legislativas.
Com as características restritivas do Orçamento apresentado pelo Governo de José Sócrates, a versão fraca do "bloco central" está na ordem do dia, sob a palavra de ordem da necessidade patriótica de aprovar o Orçamento, através da abstenção (mais provável) ou da aprovação (pouco provável).
Agravamento de impostos, cortes nos salários da Função Pública, nas políticas sociais, nas áreas da saúde e da educação, numa só palavra, está em negociação o mais duro Orçamento imposto em Portugal após o 25 de Abril. As aberturas dos telejornais, as vozes da rádio, os títulos dos jornais e a blogosfera vão derramando sobre nós, gota a gota, o pacote da austeridade. O paralelo com os anos 80 não colhe. Mário Soares disse, nesses tempos, que "já se começava a ver luz ao fundo do túnel". Aludia aos efeitos da adesão à actual União Europeia e aos fundos comunitários que chegariam de Bruxelas. Em 2010, porém, o cenário é mais grave. Temos o túnel, mas ninguém vislumbra luz ao fundo.
