A conta da luz está em chinês? Vejamos: por cada 10 euros de luz na tarifa doméstica, 5 euros são para os kilowatts da eletricidade e aproximadamente 2,5 euros destinam-se a pagar Rede Elétrica Nacional (valor elevadíssimo, só possível num monopólio...). Portanto: 75% da fatura da luz vai para a produção e transporte da energia. E os restantes 25%? É aqui que entra a famosa frase: custos políticos. Os CIEG (Custos de Interesse Económico Geral) são sobretudo entregues às produtoras de energia - para compensar a EDP da liberalização do mercado e os diferentes pequenos ou médios produtores dos investimentos realizados para produzir eletricidade. Só em 2012 os CIEG somam 1,7 mil milhões de euros.
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Em pormenor, o que tem lá dentro esta parcela de 25% da conta da luz? Há apoios aos investimentos feitos nas diversas centrais de energia fóssil, eólica, cogeração, biomassa, hídrica, apoio à contratação no mercado ibérico, rendas às autarquias pela instalação de centrais elétricas e hídricas, apoio à energia dos Açores e Madeira e ainda outros custos (3%). O grosso desta conta representa apoio à produção elétrica a partir de fontes renováveis. Porquê? As renováveis têm menor rentabilidade produtiva a gerar eletricidade face às centrais a gás, carvão ou gasóleo. Daí o apoio, mas também porque as renováveis representam multas menores para Portugal por excesso de emissões de CO2. Além disso importamos menos petróleo, gás ou carvão quando usamos o vento, o Sol ou a água. Problema: foi-se longe de mais e licenciaram-se demasiadas renováveis a preço garantido pelo Estado muito acima da média. Agora já se cortaram 140 milhões na conta dos próximos anos mas o Governo esquece-se de dizer que deu mais 5 a 7 anos de megawatts a preço garantido acima do mercado para compensar esses produtores...
Há coisas mais escandalosas nos CIEG: fábricas (siderúrgicas, pasta de papel, têxteis, madeiras, etc...) licenciadas para fazerem um negócio sui generis - venderem energia bonificada à rede e comprarem energia ao preço normal. Mesmo que a energia nunca saia de casa... Algumas faliram no negócio-mãe mas continuaram a produzir energia... A troika quer saber como...
Mas falemos de outro caso: as novas barragens. Num país que já tem mais do dobro da capacidade instalada de produção elétrica face às necessidades correntes, o Governo Sócrates resolveu vender licenças para se construírem mais 10 barragens, a serem pagas ao longo de 30 ou mais anos. O seu impacto nas contas durante o período de vida é de 16 mil milhões de euros, segundo dez associações ambientais e catedráticos especialistas nestas matérias. Tornarão a fatura da luz 10% mais cara já a partir de 2016, ou seja 4900 euros por família ao longo do período de vida.
Ainda por cima, à medida que o clima se altera, as barragens produzem cada vez menos eletricidade porque há menos água, além da menor qualidade desta para consumo humano ou agrícola. Um desastre colossal. Ainda por cima assassinam-se rios maravilhosos e cheios de potencial turístico como o Sabor, o Tua e parte do Tâmega, entre outros. Alternativa: aumentar a potência das barragens atuais.
Entretanto, o Governo liberalizou o mercado retalhista e permitiu o fim da tarifa bi-horária - aquela que dá a possibilidade ao consumidor de se defender, consumindo fora das horas de pico (pondo as máquinas de lavar a funcionar mais ao fim de semana ou à noite, ou passando a ferro nessas horas mais baratas). Aparentemente o Ministério da Economia voltou atrás - de tão escandaloso que era - mas a verdade é que quem já fez novos contratos não está a usufruir do bi-horário. Quem ainda não mudou mais vale esperar para ver e depois escolher bem.
Por fim, há que acrescentar o aumento de 6 para 23% de IVA em 2012 e chega-se aos valores elevadíssimos com que nos confrontamos, mas insuficientes para pagar os CIEG. Chama-se a isto 'défice tarifário'. Que andamos todos os anos a empurrar para o futuro. E estupidamente, ao mesmo tempo, a fazê-lo crescer com novos contratos garantidos. O que é que isto faz lembrar? As parcerias público-privadas rodoviárias. Mas só quando começar a doer é que haverá indignação... Já será irreversível.