Corpo do artigo
Há clichês tão comuns que seriam patéticos, se não fossem perigosos. A masculinidade tóxica está cheia deles, infelizmente. Há muito quem queira impor pela força o que não consegue pelo resto, conquistando medo em vez de respeito. Uma ilusão de autoridade, um ensaio de firmeza, que não é mais do que brutalidade e exibição de músculo, na senda de parecer muito maior do que se é. Uma tentativa de pulso, que não passa de punho.
É o caso do nosso primeiro-ministro, um dom-quixote de espada em riste contra (?) as perceções, que já anda de cara vermelha de tanto fazer músculo. Não vá alguém pensar que é para esconder algum complexo de inferioridade política, ou para compensar o que sabe ser de pouca substância. Fez voz grossa quando prometeu caçar impiedosamente os pirómanos na altura dos incêndios, franziu o sobrolho de xerife em horário nobre para galvanizar o combate contra a sensação de insegurança das pessoas que passam o dia a ver a CMTV e, agora, tem um Governo que está em estágio para porta-voz da PSP.
Neste momento, ainda só instrumentaliza operações pidescas contra imigrantes no Martim Moniz ou missões antivandalismo em bairros periféricos, mas já faltou mais para tirar fotos ao lado de mesas cheias de haxixe, armas brancas e malas de contrafação, mesmo como se fosse o agente Montenegro.
Teria muita piada, não fosse isto uma escalada de propaganda afinada pelo diapasão da extrema-direita, como quem mede “forças” com uma régua. Teria mesmo muita piada, não fosse isto uma forma de agravar as tais perceções, em vez de as desconstruir, legitimando as narrativas xenófobas, sempre com o alvo nas minorias mais desprotegidas. Teria mesmo muita, muita piada, não fosse isto uma forma de reforçar a concorrência que pretendiam vencer, até porque se é possível escolher o original, quem é que quer a mala de contrafação?
O nosso primeiro-ministro quer mostrar-se musculado, anda a tomar esteroides, alimenta-se a proteína, tudo para exibir a força (eleitoral que não teve, política que não tem, mobilizadora que nunca terá), mas todos sabemos que os homens muito musculados (salvo raras exceções) tendem a ser pouco dotados de inteligência, de cultura e de oratória. Chega para ser concorrente de reality show, mas é muito pouco para governar.
Tanta coisa urgente para resolver, inclusive nas urgências, e andamos em exibições de culturismo, que podem até não ser a concretização de um “Estado policial” ou um ensaio de “protofascismo”, mas são certamente sinal de uma masculinidade (leia-se capacidade política) muito frágil... A mesma que legitima todas as perceções de insegurança num dos países mais seguros do Mundo, mas desvaloriza as estatísticas pornográficas do crime mais comum no país: a violência doméstica, em mais um trágico clichê: os valentões são sempre muito menos valentões contra os valentões que batem nas mulheres.