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Dívidas e amantes, diz o taxista que o problema não é tê-las, mas mantê-las. E mete a primeira como quem diz que no princípio era o verbo: na economia global, o problema não é ter dívidas, é demonstrar capacidade para as pagar. Algumas das mais poderosas nações do Mundo estão entre as mais endividadas. É o valor da credibilidade, conceito da família do crédito. E é este o nosso problema.
A dívida portuguesa exorbita. É uma espécie de Vasco em "A canção de Lisboa", diante das tias da província. Os três pilares que sustentam a economia - famílias, empresas e Estado - têm, cada um, uma dívida acumulada que já excede a totalidade da riqueza produzida anualmente no país, o equivalente a 130% do PIB. Temos, à proporção, a terceira maior dívida pública da União Europeia. E pagamos os juros mais altos, à frente da Itália e da Grécia, bem mais endividados que nós. Ora, com emissões de dívida (médias) de 3%, num país que festeja crescer a 1,2%, a dívida só pode mesmo aumentar. Num escrito que deu brado, nos idos de 2000, Cavaco Silva dizia que "a dívida cria dívida. É um efeito dominó. É um monstro sozinho a deglutir a economia". A citação (ou confissão) atribuída a um dos pais da dívida é hoje partilhada por Francisco Louçã. Só em juros, vamos pagar este ano à volta de 8 mil milhões, o equivalente à fatia da Educação no Orçamento do Estado. Sustentar esta canga, sem cortar no chamado Estado social, só seria possível se a nossa economia crescesse acima dos 4%. Mas há décadas que só crescemos pela metade, ou nem isso. É um colete de forças.
Meses e meses a fio, as expressões "reestruturação" ou "renegociação" da dívida estiveram proibidas, qual elefante no meio da sala que ninguém se atreve a admitir. Mas não há volta a dar, seja qual for o filtro ideológico de cada um, a dívida tem de ser, digamos, mexida, em diálogo com os credores e, em qualquer caso, no quadro de uma solução global à escala europeia. Porque a dívida, a nossa e a de alguns dos nossos parceiros, é insustentável, mesmo que não nos convenha dizê-lo em voz alta. As propostas que acabam se ser apresentadas pelo grupo de economistas do PS e do Bloco são um contributo importante para um debate incontornável que, de forma inteligente, não compromete o Governo na sua relação com os credores e Bruxelas. O debate há de fazer-se à escala europeia, mas nunca antes das eleições alemãs. Até lá, haja saúde para exercitar o verbo. Mas convém encontrar soluções para a verba.
* DIRETOR