O atoleiro em que Pedro Passos Coelho se meteu, empurrado pela falta de jeito para lidar com a coisas da política a sério e à séria e, sobretudo, com as coisas da causa pública, faz lembrar a velha anedota que se contava nos tempos em que a União Soviética repartia com os Estados Unidos da América o domínio do mundo.
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Conta-se que, ao ceder o lugar ao sucessor, o presidente soviético cessante entregou-lhe duas cartas, dizendo-lhe: "Meu amigo, estas cartas "são para abrir apenas nos momentos em que te sentires verdadeiramente incapaz de resolver os problemas, quando perceberes que estás perdido e isolado".
Passados uns anos, no seu primeiro momento de desespero e agonia, o novo presidente abriu a primeira carta. "Para te safares, culpa-me a mim, o teu antecessor", dizia a missiva (o peso da realidade herdada sempre foi - e será - a melhor desculpa dos incapazes). A coisa compôs-se.
Volvidos mais uns anos, eis que chega o segundo momento de desespero. O presidente, sem saber o que fazer, abre a segunda missiva. "Começa a escrever as tuas cartas", tinha escrito, com certeira visão, o antecessor.
A sondagem que o JN hoje publica mostra à saciedade que chegou o tempo de Pedro Passos Coelho começar a escrever as suas duas cartas. Em escassos 15meses, o primeiro-ministro atirou borda fora todo o capital político que tinha na bagagem, destruiu a concertação social, trouxe centenas de milhares de pessoas para a rua, em protesto contra o que tem feito. Convenhamos que é preciso ter um certo jeito para estragar tudo tão depressa. Hoje, Passos Coelho corre, montanha abaixo, à frente de uma bola de neve que fatalmente o apanhará.
Verdade que a sondagem foi feita nos dias mais politicamente mais quentes dos últimos anos (15, 16 e 17 de Setembro). Creio ser isso que explica a subida da CDU, do Bloco de Esquerda e dos votos em branco ou nulos. Mas, que diabo!, dar um trambolhão de 12 pontos percentuais não está ao alcance de qualquer um.
Quando foram atacados pelo exército dos EUA, liderado pelo temível caçador e explorador Kit Carson, os indios navajos agarraram-se a um lema: se avançarmos, lutamos; se recuarmos, morremos. A tribo sabia que, por estar em minoria, não tinha outra hipótese senão batalhar. Era uma questão de vida ou morte. Sobreviveram às atrocidades. É uma máxima como esta, corajosa e de bom senso, que Passos Coelho deve seguir. Para sobreviver. Pelo mais uns tempos. Ou isso, ou começar a escrever as duas cartas.
A sondagem, marcada pelo verdadeiro voto de protesto, põe o PS à frente, mas em perda. Quer dizer: os portugueses (ainda?) não confiam em Seguro. E, bem mais importante do que isso, estão desiludidos com a democracia. Pudera!