Preocupa-me que o Grande Porto vá com o dobro dos casos positivos que se verificam na Grande Lisboa e que o Governo ainda não tenha assinalado preocupação particular com o assunto, não anunciando, até agora, quaisquer medidas para dotar os hospitais da região de condições redobradas para combate da pandemia.
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Desde muito no início que, com dois dias de exceção, a evolução apontou para uma disseminação mais rápida no Norte. O azar terá certamente decidido assim, mas também pode ser o velho efeito de as populações no Norte se sentirem menos representadas e menos vinculadas ao discurso que vem do poder central.
Alguns sinais apontam para a incapacidade de certas estruturas centrais pensarem além da capital. Claro que António Costa visitou o Hospital de São João quando o vírus ainda parecia chegar a passeio. No entanto, colapsando já o Porto, falhando gravemente no auxílio aos lares no Norte, como o flagrante caso da Maia, Costa escolhe visitar o Curry Cabral para provar que não houve ainda faltas e que não se preveem faltas no futuro. Na verdade, esse discurso dificilmente poderia ser feito à porta dos hospitais do Grande Porto, onde se tem racionado severamente as existências e se têm multiplicado os apelos para a doação de materiais essenciais à proteção dos profissionais. O discurso de Costa não só corre o risco de escamotear a realidade como pode dar o Porto como um desafio desimportante.
A RTP tem no ar uma campanha meritória para angariação de fundos para a construção de um hospital de campanha, 200 camas, no Campo Pequeno, ao cuidado do Curry Cabral. É bom que exista. No entanto, a RTP, como televisão nacional, talvez devesse correr a favor de onde a hecatombe mais se espera. Seria o mesmo que a RAI pedir dinheiro para construir um hospital fora da Lombardia quando a Lombardia morre e segue morrendo em dobro.
Salvar as pessoas da Grande Lisboa é fundamental. Querer salvar as pessoas do Norte devia ser fundamental também. Nisto, vale a ação de Rui Moreira, o primeiro autarca a antecipar-se ao que se esperava de um Governo mais corajoso e mais paritário.
Estamos todos debaixo deste susto, mas quanto mais tempo o Governo demorar a incidir sobre o Grande Porto mais pessoas sofrerão e morrerão, porque parece claríssimo que o maior flagelo do país está aqui agendado. Vamos ver se aparecem as camas no Norte, os ventiladores, ou se a distribuição será feita pela concentração das elites, ao invés da quantidade de pessoas a internar. Talvez a intenção seja levar os bragantinos de urgência para o Curry Cabral, entretidos a ver as vistas antes de deixarem de respirar.
*Escritor