Desde o início da epidemia, agora convertida em pandemia, que se tem alternado entre a desvalorização do risco e a dramatização do mesmo. Isso explica comportamentos contraditórios e sinais de pânico.
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A incerteza é o principal criador de pânico, não o medo. O medo, se racional, é controlável e suscetível de induzir os comportamentos certos. É quando ao medo se associa a incerteza que nasce o pânico. Infelizmente, a comunicação pública tem acrescentado incerteza sobre o que esperar e fazer à incerteza do que o vírus representa. Os governos têm, em geral e bem, remetido às decisões para os especialistas, mas a comunicação destes com a população tem falhado e os governos parecem desorientados, agindo reativamente em vez de preventivamente.
Primeiro, houve uma tentativa impossível de reconciliar uma narrativa que alertava para o elevado risco de contagio do vírus com uma narrativa que apelava à normalidade, em nome de evitar uma crise económica. Segundo, o coronavírus é combatido com decisões nacionais em estados de propagação diferentes, mas a informação e cobertura mediáticas são globais. Isto conduz a que os cidadãos avaliem em permanência as decisões nacionais por comparação com as decisões e contextos, frequentemente diferentes, de outros estados. Terceiro, a ciência aborda o desconhecido (como um vírus novo) através de diferentes hipóteses e probabilidades, não certezas. Mas se os cientistas não tiverem cuidado na comunicação pública, a confrontação dessas diferentes hipóteses científicas alternativas entre especialistas de igual autoridade no espaço público reduz a confiança em qualquer uma delas e na própria opinião científica. Qualquer outra hipótese aparece como igualmente aceitável. Nesse contexto, para a ciência inspirar confiança tem, paradoxalmente, de expor os seus limites. É essa honestidade que lhe traz credibilidade. Quarto, essas hipóteses alternativas devem ser arbitradas através da concentração da massa crítica científica num órgão. Foi um equívoco atribuir, entre nós, esse papel ao Conselho Nacional de Saúde (cuja quase totalidade dos seus membros não são epidemiologistas) gerando depois um confronto com outras fontes de autoridade científica. Por último , os epidemiologistas estudam epidemias mas não são especialistas em comportamento humano. Um ponto é decidir se é necessário passar de uma fase de contenção a uma fase de mitigação e que comportamentos sociais promovem ou impedem isso. São questões para os epidemiologistas. Outra coisa, é como se consegue que as pessoas tenham esses comportamentos. Isto exige outras competências (nomeadamente, da ciência do comportamento). O erro que estamos a cometer não é o de confiar na ciência, mas sim sobre como organizar a relação entre especialistas e os cidadãos.
*Professor universitário