Há mais de dez anos fui surpreendido com um Portugal que desconhecia ao visitar o Sri Lanka (o antigo Ceilão).
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Enquanto tomava o pequeno-almoço deparei com um editorial num jornal local que advogava ter chegado o tempo de retomar uma relação mais forte com Portugal, mas condicional à apresentação de um pedido de desculpas pela forma como teríamos colonizado o Ceilão. Muitos de vós serão surpreendidos ao saber que, naquela parte da Ásia, temos péssima fama como colonizadores. Por alguma razão, os vilões do teatro popular em Goa eram quase sempre portugueses... Conto este episódio, não porque ele, necessariamente, nos defina (nem sequer o que pensam de nós), mas sim porque nos ensina que aquilo que somos ou fizemos pode ser bem diferente aos olhos dos outros do que é aos nossos.
Este episódio reforçou a minha convicção sobre a importância do contexto. Os nossos descobrimentos têm um sentido entre nós que não é necessariamente partilhado por aqueles que colonizámos. Aceitar isto não significa ter menos orgulho na nossa história. Significa apenas saber colocar e entender as coisas no seu contexto, de forma a poder compreendê-las mais completamente. Quem rejeita conhecer essas outras dimensões não está a ser patriótico, mas sim ignorante. Curiosamente, é o mesmo que fazem aqueles que agora destroem estátuas de personagens históricos. Retiram esses personagens do seu contexto histórico para os avaliar como personagens contemporâneos.
O que têm em comum estes dois lados é a intolerância. A intolerância assenta na incapacidade de sequer admitir conhecer o ponto de vista do outro. É assim porque não se reconhece ao outro a autoridade ou capacidade de entrar em diálogo connosco. Há algo no outro que invalida o que tem a dizer sem sequer o conhecermos. Pode ser assim, por exemplo, por preconceito ideológico, religioso ou racial. Há muito tempo que ideias tolerantes e intolerantes se confrontam. Aquilo que assusta é a tendência crescente para o Mundo ser dominado por uma batalha entre intolerantes. A lógica é tribal e absoluta: "se não estás sempre do meu lado, estás contra mim".
É a isso que assistimos no atual debate sobre o racismo. Se te opões à destruição das estátuas ou exprimiste dúvidas sobre a realização de uma manifestação em tempos de pandemia és racista. Se participaste na manifestação é porque estás de acordo com certos cartazes de ódio que nela foram exibidos. Alimentando preconceitos de ideologia e de raça, eis a intolerância!
Professor universitário