Os escritores estiveram de quarentena. Acaba hoje para os que poderão ter contactado com Luis Sepúlveda no último dia das brilhantes Correntes d"Escritas. Não foi anunciado nenhum contágio.
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Nem Carmen Yáñez, belíssima autora e mulher de Sepúlveda, foi infetada. Alguém me falava de como a tradição manda para os ares da Póvoa de Varzim a curar doenças pulmonares. Desde tempos imemoriais, as nortadas deste litoral servem para aflitos do peito, coisas de coração e do ar. Lembro-me de o meu avô, cardíaco, se dividir entre uns meses no Gerês e outros na Póvoa. Era para prolongar a vida. E tantas vezes afirmou que melhorava consideravelmente por aqui chegar. Adorava as manhãs, que lhe entravam um sol clarinho na pele igual a medicar-se pela mão direta de Deus.
Assim mo disseram, que seria irónico começar a tão aguardada epidemia entre escritores nos ares terapêuticos do nosso litoral nortenho. E andámos todos a fazer contas aos dias em que vimos Sepúlveda, a telefonar com grandes ou pequenos medos à Saúde 24, que funcionou perfeita para uns e rigorosamente não funcionou para outros como, infelizmente, foi o meu caso.
Com maior ou menor competência, vamos passar por este vírus, quero dizer, não seremos exemplares, também não temos de ser os piores. Sinto que as autoridades podiam ter atempado muita coisa que não foi atempada. Deviam ter adquirido máscaras e desinfetantes às farmácias antes que o pânico as fizesse esgotar; já deviam ter definido como equiparar ou não a quarentena a uma baixa, como obviar vencimentos para todos os tipos de trabalhadores. Que não saibamos como o vírus se comporta não impede que se adiantem detalhes fundamentais que são meramente administrativos, e é estranho que apenas anunciados os dois primeiros casos positivos se tenham posto as tutelas a arriscar respostas para estas questões.
De todo o modo, estou convencido de que certo medo será exatamente a terapia fundamental. Se pode ser um pouco paranoico e até mal-educado, a verdade é que o medo de cada um leva ao isolamento todo vantajoso para a solução. Preocupa-me sobretudo o descontrolo que deixa cada vez mais pessoas deprimidas, incapazes de seguirem uma estratégia de cuidado que não resulte em terror. Parece-me importante que se intensifique o apoio psicológico, a orientação para a calma e lucidez.
Aqui, por Vila do Conde e Póvoa de Varzim, tem sido curioso observar como se esperou a hecatombe e se muda lentamente para a conclusão de que, afinal, a presença do querido Luis Sepúlveda não foi senão a mesma honra e maravilha de sempre. Importa desejar que melhore de imediato e regresse para a alegria de o termos entre nós muitos e muitos anos.
*ESCRITOR