Parece que está em curso um braço de ferro político que vai acabar com o presidente da República a declarar o estado de emergência. Cede-se a uma imensa maioria que, com medo, já se convenceu de que o vírus desaparece se decidirmos dar todo o poder à "autoridade" e pararmos totalmente a economia.
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É mais ou menos a mesma imensa maioria que, quando se sentirem a sério os efeitos económicos deste tratamento, irá elaborar sobre os excessos que agora se cometem e pedir ainda mais autoridade.
E sobre esta vontade coletiva de alguém nos obrigar a um recolher obrigatório, convém lembrar que nem há um mês, olhando para a China, constatávamos espantados que um Estado podia pôr e dispor da vida de todos e de cada um. "Só numa ditadura", repetimos à exaustão, antes de começar a pedir o mesmo para o nosso país. Estou certo de que em muita gente ficará o gosto por este Estado musculado, pelo qual a maioria anseia como única forma de derrotar o vírus. Nem por acaso, a extrema-direita fez questão de pedir estas medidas desde o início da crise e convém lembrar que a última vez que foi preciso declarar o estado de emergência andávamos num outro braço de ferro entre os que tinham ajudado a derrubar a ditadura do Estado Novo, porque alguns deles tinham o sonho de implantar outra ditadura de sinal contrário.
Sem pôr em causa que o melhor combate ao novo coronavírus passa pelo isolamento social, parece evidente que esse isolamento nunca será total e que, tendo a dimensão que tiver, irá prolongar-se no tempo. Tudo aconselha a que se tenha muita ponderação antes da tomada de cada decisão, mas já quase ninguém aceita menos do que decisões para o dia de ontem. Como se não se pudesse dar o caso desta sociedade não morrer da doença e acabar por morrer da cura. Convencionou-se que importante era apenas agir rapidamente, como se não contasse para nada a qualidade da decisão e os seus efeitos secundários.
Não inovamos, limitamo-nos a seguir o exemplo dos que primeiro desvalorizaram a crise e depois impuseram a emergência. A verdade é que há inúmeras diferenças entre o sucesso relativo conseguido na China ou na Coreia do Sul e o grande sucesso que foi conseguido em alguns dos seus vizinhos, como Taiwan e Singapura. Os melhores resultados não foram conseguidos pelos países que decretaram quarentenas coletivas, mas pelos que tiveram intervenções selecionadas, incluindo desinfestação sistemática dos locais públicos. Quando o medo emerge, submerge o bom senso e ganha o populismo. A autoridade do Estado deveria residir na confiança que temos nas suas decisões e não na capacidade que tem de nos impor um caminho que ninguém sabe para onde nos leva.
Jornalista