"Está na hora da caminha, vamos lá dormir...". Interpretado primeiro por Dulce Neves, depois na voz de Isabel Campelo, Eugénia Melo e Castro e Paulo de Carvalho, o refrão fez história, funcionou anos a fio como bússola para milhares de famílias mandarem os filhotes para a cama em pleno horário nobre da televisão portuguesa, nos anos 80 do século passado. Vinculado a uma empresa de alimentação juvenil, o desenho animado, que comemorou 25 anos em Janeiro, foi um sucesso e perdura em muitas memórias. A imaginação e a popularidade do Vitinho - sim, era ele o protagonista - estão tão vincadas quanto, nas gerações mais antigas, o surgimento impreterível à meia-noite da bandeira e do Hino Nacional no fecho da emissão do canal único a preto e branco.
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Os tempos são agora outros. Mudaram os hábitos da sociedade e pulverizou-se a oferta televisiva, em sinal aberto ou fechado. Daí que a simbologia disponha de valor residual e não legitime quaisquer comparações entre as limitações de outros tempos e o anúncio feito ontem por Miguel Relvas, ministro detentor da pasta da Comunicação Social, de restringir ao horário 19-23 horas a actividade da RTP-Madeira e RTP--Açores tendo por enquadramento a reestruturação financeira e a travagem de um autêntico sorvedouro de dinheiros públicos: a RTP.
Sejamos, de facto, pragmáticos: num país que vive com uma mão à frente e outra atrás, não há nenhum custo de insularidade justificativo de 24,7 milhões de euros gastos na Televisão do Estado nos Açores e na Madeira por ano. O putativo serviço público prestado pode perfeitamente ser substituído por outros canais. E o óbice para alguns residirá apenas no facto de certos poderes das Regiões Autónomas ficarem castrados na arte de manejar a comunicação...
O sinal de emagrecimento de custos dado por Miguel Relvas é, pois, bem-vindo. Faz parte de uma malha fina de reestruturação desejável e susceptível de desembocar na privatização de um dos canais da RTP como, de resto, consta do programa do Governo.
Os conceitos ideológicos divergem, naturalmente, entre a manutenção ou extermínio puro e simples da Comunicação Social do Estado. Justificam, pois, um debate. Mas será curial que a discussão não ignore a subversão quase diária do conceito mínimo de serviço público; a ostentação escusada; a falta de uma linha de rumo da qual não é dispensável a prestação de um efectivo serviço à diáspora portuguesa no Mundo e ao aprofundamento da cooperação com os PALOP - via RTP Internacional e RTP África.
Nesta como noutras matérias, indesejável é o país estar à mercê de comportamentos estapafúrdios - ou de pura protecção de outros "players" no mercado (Oh!, palavra maldita!).
Dispondo a RTP de um passivo bancário de 717 milhões de euros e capitais próprios negativos de 554,2 milhões de euros - apesar da injecção de dinheiros públicos (121,1 milhões de indemnização compensatória só em 2010) -, registe-se a coragem (insensatez) dos defensores da continuidade da estatização inamovível - mesmo quando o Governo está de bisturi apontado nos cortes ao poder de compra e bem-estar dos portugueses e anuncia entretanto o pagamento em 2012 de 225 milhões de euros da dívida da RTP!