E ao cabo de duas semanas de campanha eleitoral aproximamo-nos da véspera do dia das eleições que, um tanto anacronicamente, legalmente se prescreve que seja "dia de reflexão" - como se não tivesse existido antes ou durante os dias reservados à propaganda política, efetiva oportunidade de pensar, refletir e chegar a conclusões sobre o valor das propostas em confronto, o que distingue os diversos candidatos, o que mais importa acautelar quanto ao nosso destino coletivo. O "dia de reflexão" surge pois como uma espécie de "trégua", ou seja, uma "pausa" para retemperar forças, cuidar dos feridos, enterrar os mortos, reorganizar as tropas e prosseguir - ou não - as hostilidades. Uma metáfora da guerra onde a força das armas foi substituída pela sorte das urnas. Antecipando-me aos interditos associados ao imperativo legal do "dia de reflexão" - e renunciando a mais indagações quanto ao seu sentido e, eventual, oportunidade - aqui vou registar os meus agravos e lavrar as minhas conclusões.
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Primeiro, as eleições de domingo vão conduzir a uma extensa renovação do poder local nos nossos municípios e freguesias, apesar das omissões e ambiguidades decorrentes de a limitação dos mandatos sucessivos ter sido consumada através de uma lei avulsa cuja aplicação veio expor graves incongruências que reclamam a revisão urgente da lei eleitoral para as autarquias locais. Não é razoável que a lei admita como candidato a uma autarquia cidadãos que nela não estejam inscritos como eleitores, nem tão-pouco é aceitável que o titular de um mandato de presidente de junta ou de câmara se possa candidatar a uma outra junta ou outro município antes do termo do mandato que lhe foi conferido pelos seus eleitores. Os titulares dos "órgãos representativos" de "pessoas coletivas territoriais" estão constitucionalmente vinculados à prossecução dos "interesses próprios das populações respetivas" não sendo por isso razoável que sejam admitidos como candidatos a funções de natureza executiva ou sequer deliberativa, cidadãos que nelas não estejam recenseados como eleitores.
Em segundo lugar, ainda que cumprindo o calendário estabelecido, a verdade é que as eleições autárquicas de 2013 ocorrem no lugar de eleições legislativas cuja antecipação foi clamorosamente reclamada e que a grave crise política e institucional que em pleno verão afetou a própria subsistência do poder executivo, claramente aconselhava. É por isso legítimo e inevitável que esta consulta democrática exprima com clareza, no próximo domingo, o mais severo juízo dos cidadãos sobre a atuação das forças políticas responsáveis pela recessão económica e o agravamento da situação financeira, pela escalada do desemprego, pela degradação dos serviços públicos nos sectores cruciais da segurança social, da saúde e da educação. O poder local legitimado nestas eleições vai ter de inventar remédios e compensações para os resultados desastrosos das políticas de austeridade que este Governo adotou "em nome dos credores", passivamente, renunciando a discuti-las sequer com os seus parceiros europeus. Os eleitos locais vão ter de acorrer às urgências das populações, de dar provas de solidariedade com as comunidades atingidas por carências extraordinárias e crescente decepção. Vão ter de alimentar a esperança de que existe para esta crise uma saída decente e democrática e demonstrar, aí, nas relações de proximidade, que existe uma alternativa política ao cinismo e à incompetência.
Temos a obrigação de fazer ouvir a nossa própria voz para que outros não se arroguem o direito de falar em nosso nome ou que o silêncio seja interpretado como desistência ou rendição. Por isso, em consciência, no próximo domingo há que votar!