Corpo do artigo
É "imperdoável" que o Presidente Obama tenha falhado a sua promessa de encerrar a prisão de Guantánamo - onde se encontram ainda, sem julgamento e por tempo indeterminável, mais de uma centena de detidos - erguida pelo seu antecessor George W. Bush, numa base militar em Cuba, para excluir da proteção das leis americanas e do direito internacional, as muitas centenas de prisioneiros suspeitos da prática de atos de terrorismo capturados em missões militares no estrangeiro, na sequência dos atentados contra as "torres gémeas", em Nova-Iorque. A promessa não cumprida de encerrar esse teatro de horrores, cuja barbaridade foi denunciada por numerosas organizações humanitárias e pelos próprios detidos, constituiu uma deceção amarga que Clint Eastwood evocou para "justificar" o seu apoio equívoco ao oponente de Obama - o candidato à presidência Mitt Romney - na Convenção do Partido Republicano que se realizou na semana passada, na Florida, onde "dialogou" com um Obama ausente, personificado numa cadeira vazia. Encetada com mais de um ano de antecedência, a campanha para as eleições presidências nos EUA pouca importância tem prestado às denúncias de tortura, tratos cruéis, desumanos e degradantes infligidos impunemente aos chamados "combatentes inimigos". Nem à polémica participação dos EUA na muito controversa intervenção da NATO na Líbia. Nem à crescente utilização de aviões não tripulados - os famosos "drones" - pelas forças militares americanas de que é supremo comandante, precisamente, Barack Obama.
O Presidente dos EUA é eleito por sufrágio universal para assumir a chefia do Governo. Por isso se diz que o "presidencialismo" é o sistema político que melhor respeita a separação constitucional entre o poder executivo (o Governo) e o poder legislativo (o Parlamento). Por isso, o assunto que domina a campanha presidencial é o Governo doméstico, o fraco desenvolvimento da economia, o elevado número de desempregados e a colossal dívida externa. Como sublinhava Bill Clinton na Convenção Democrática que decorreu na Carolina do Norte para nomear Obama como candidato do partido a um novo mandato presidencial, o Governo de Obama deparou-se com a pesada herança da administração de George W. Bush, as aventuras militares no Iraque, a falência do Lehman Brothers, "o maior colapso financeiro desde a grande depressão", em 1929, "uma economia em queda livre", a perder 750 mil postos de trabalho por mês. A defesa dos valores da solidariedade e da igualdade de oportunidades, a educação, a saúde, são os grandes objetivos a atingir pelo combate contra "a pobreza, a discriminação e a ignorância".
Enquanto Charles de Montesquieu dedicava, em 1748, à "Constituição de Inglaterra", o capítulo de "O Espírito das Leis" onde cuida de demonstrar a importância do princípio da separação dos poderes na arquitetura do Estado constitucional (Livro XI, Capítulo VI), já Alexis de Tocqueville, quase 100 anos mais tarde, com a publicação do 1.0º volume da sua obra - "Da Democracia na América" - iria tomar como base da sua reflexão sobre o advento da democracia na Europa, justamente, a experiência constitucional americana. O debate travado entre democratas e republicanos na presente campanha eleitoral, com todas as suas contradições, insuficiências e concessões demagógicas, não deixa de ser uma excelente fonte de inspiração para sintonizar os valores capazes de esboçar uma nova matriz ideológica da conflitualidade política nas nossas democracias, em particular numa Europa que, apesar de alguns sinais de esperança, continua à procura do seu próprio destino. Como dizia Tocqueville, na advertência que acompanha a publicação do 2.0º volume, "talvez cause espanto o facto de dirigir tantas vezes neste livro palavras tão severas às sociedades democráticas (...)". Mas se o faz, explica, é porque está "profundamente convicto de que a revolução democrática de que somos testemunhas é um facto inevitável, contra o qual não seria desejável nem sensato lutar".