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Conheci o Sr. Arquiteto Alcino Soutinho pessoalmente apenas há uns anos. E não tive a sorte de um convívio frequente. Serei, por isso, a última pessoa a poder prestar-lhe o tributo que merece. Sinto, no entanto, dever fazê-lo a título pessoal e como cidadã de um território que tão bem representou.
Conheci-o quando a Bolsa do Porto (de que fui quadro nas suas várias versões durante 23 anos) se extinguiu enquanto mercado a contado e se preparou durante dois anos para lançar em Portugal a negociação a prazo, ou seja a negociação de produtos derivados, vulgo futuros e opções.
Tratou-se de uma operação corajosa dos responsáveis de então que se negaram a deixar vencer a sucção centralista de Lisboa que já tinha levado tudo o que era a vida institucional financeira do Porto e se preparava para engolir a transação de valores mobiliários também sem apelo, agravo ou exceções.
Nessa altura, entre 1994 e 1996, resolveu-se igualmente que os dois corredores que durante mais de 100 anos a Bolsa ocupou no Palácio com o mesmo nome se tinham tornado incapazes de acolher adequadamente as equipas técnicas e o parque de máquinas que, entretanto e também em processo liderado pela Bolsa do Porto, tinham substituído, mesmo no mercado a contado, a negociação à vista.
E o edifício escolhido foi projetado pelo Sr. Arquiteto Soutinho. Lembro-me de acompanhar as obras de adaptação e de ficar fascinada pelas linhas serenas e pela luz, a luz que entrava por todo o lado e iluminava os amplos espaços em que nos viríamos a instalar.
Lembro-me do entusiasmo que senti no dia 20 de junho de 1996 quando inauguramos o mercado e todos os convidados se espantavam com a beleza do edifício.
E lembrar-me-ei sempre, Sr. Arquiteto, que fui feliz naqueles anos porque da janela que rasgou no meu gabinete o mar parecia ali ao lado.
Tive ainda outra ocasião de maior proximidade com o Sr. Arquiteto Alcino Soutinho. Em boa hora o atual presidente da Câmara do Porto, enquanto presidente da Associação Comercial, organizou o que chamou "As tertúlias do Comercial". Em parceria com o "O Comércio do Porto" todas as semanas reunia um conjunto de portuenses que, de vários ângulos e com variadas experiências, discutiam um tema em especial. Do grupo fazia parte o Sr. Arquiteto Soutinho. A facilidade com que se exprimia, a liberdade com que assumia as suas posições, mas ao mesmo tempo a bonomia e a afabilidade dos seus gestos e do seu sorriso faziam da sua participação sempre ocasião de aprendizagem espontânea e duradoura.
Encontramo-nos algumas vezes, aqui e além, sempre no Porto e nunca dei pela sua falta em nenhum dos acontecimentos importantes para a cidade. A última vez foi no aniversário dos 120 anos do Futebol Clube do Porto.
Fundador e intérprete da célebre Escola do Porto, deixa nas suas obras a sensação dupla de robustez e leveza. Como se na terra onde construiu entretecesse o que viu Mundo afora ou apenas o seu olhar leve sobre a inclinação da luz ou as cores da paisagem. Quem o ouvia descobria as muitas viagens que decerto fez e até os desenhos ou os cadernos que decerto deixou. Como os do Arquiteto Távora.
Guardo a imagem de um Homem afetuoso e generoso, livre e criativo sem nunca deixar de ser rigoroso.
O Porto deve-lhe muito da sua projeção como cidade de arquitetos. Por razões que não percebo bem, o Sr. Arquiteto Alcino Soutinho gozou em vida de menos notoriedade e a sua obra de menos divulgação do que alguns dos seus igualmente talentosos colegas.
Agora que nos deixou, não devíamos, todos, perder a oportunidade de o conhecer mais e melhor. Talvez o Sr. vereador para a Cultura da Câmara Municipal do Porto possa incluir uma grande exposição retrospetiva sobre a sua vida e obra no programa cultural da cidade para 2014, e a cidade possa adotar o seu nome de preferência num lugar soalheiro e alegre como ele foi.
Obrigado, Sr. Arquiteto!