Não me peças para te dar a única coisa que tenho para vender meu filho. Disse-me o Zé Mário Branco, há muitos anos atrás, quando lhe sugeri que viesse cantar de borla no concerto dos 15 anos da Rádio Universidade de Coimbra.
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O Zé pousou em mim aquele olhar vivo que escrevia canções de amor e revolta e sorriu. Nesse instante eu aprendi uma lição: nunca peças a ninguém que te ofereça o seu trabalho. Quando um poeta da esquerda te dá lições de Capitalismo deves ouvir com atenção.
A primeira vez que tinha falado com ele fora por telefone, uns anos antes, para lhe pedir outra coisa. A editora passou-me o número de casa, não havia telemóveis, e depois de umas tentativas lá falámos. O FMI era nessa altura, não havia itunes nem spotifys, um disco raro. Um Maxi - vinil com formato de LP e velocidade de Single - onde, selando o disco dentro da capa, um autocolante com letras vermelhas dizia - A pedido do autor está interdita a reprodução pública deste disco.
Inconformado, pedi-lhe que mo deixasse tocar na rádio, num programa de música e palavras em português chamado "Rota das Tormentas", onde na altura eu contava histórias de amor e revolta aos ouvintes da emissora estudantil.
Expliquei-lhe era injusto que toda aquela beleza trágica e híper atual ficasse escondida - ainda ontem ouvi o Bruno Nogueira, que é um puto, dizer na rádio que aquele poema podia ter sido escrito amanhã.
Ele respondeu-me do outro lado - Há inquietações que é melhor viver sozinhos. Mas se quiseres muito passa. E eu passei.
Hoje sei que foi por isso que tive a ousadia de lhe pedir para me dar a única coisa que ele tinha para vender. Mas que também foi por isso que - apesar da toda a beleza da Inquietação - nunca mais o esqueci.
*Especialista em Media Intelligence