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A propósito da situação dos chamados "lesados do BES", e perante as manifestações públicas promovidas por este movimento, o primeiro-ministro teceu algumas considerações críticas sobre a ação do Banco de Portugal (BdP). Seguiram-se especulações sugerindo que o Governo teria a intenção de fazer cair o governador do BdP. O facto de, no passado, António Costa ter exprimido reservas quanto à recondução de Carlos Costa, fez com que muitos se apressassem a ver aqui um atentado à independência do Banco Central. Há que recordar que as críticas à ação do BdP não são recentes. No seguimento do "caso" BPN, Vítor Constâncio foi duramente atacado pelos partidos que, na altura, faziam oposição ao Governo. Não me recordo que na altura a Comunicação Social se tenha insurgido perante tais críticas alegando constituírem uma pressão capaz de pôr em causa a independência do BdP. De igual modo, também não me recordo que as críticas feitas ao BdP pela então ministra das Finanças na cerimónia de posse de dois novos administradores dessa instituição, em setembro de 2014, tenham suscitado semelhante reação.
O estatuto de independência do BdP é inquestionavelmente um elemento fundamental para a sua autoridade e credibilidade no desempenho das suas funções e para a confiança que nos deve merecer o sistema financeiro. Todavia, tal estatuto não o pode isentar da avaliação crítica e pública da sua ação. E o BdP não tem que sentir a sua autoridade e independência ameaçados por isso. Pelo contrário, quanto melhor souber lidar com tais situações, esclarecendo e fundamentando as suas decisões, reforçará uma e outra.
Em tempos de relativa acalmia no mundo financeiro, a ação do BdP tende a ser discreta e a sua visibilidade reduzida. Porém, em tempos de crise, o supervisor verá natural e inevitavelmente os holofotes em cima de si. Em particular, nas situações de resolução de bancos, que impõem custos a clientes, credores e, eventualmente a contribuintes, as partes interessadas defenderão com afinco os seus interesses e património, bem como os interesses dos contribuintes. É por isso legítimo que avaliem as decisões tomadas e manifestem as suas opiniões. Mas ter legitimidade não quer dizer que tenham necessariamente razão. Uma coisa é certa, só haverá legitimidade para questionar a continuidade de alguém no exercício das suas funções se houver falha grave.
Há, sem dúvida, muito desagrado, porque muitos são os afetados pelos ditos "casos". Haverá muito para esclarecer. Mas ainda ninguém apontou onde está a falha grave. Por isso, e porque a independência da instituição é importante e deve ser defendida, Carlos Costa não pode senão manter-se firme à frente do BdP e não se demitir.