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As primeiras notícias do julgamento do polícia que disparou dois tiros a menos de um metro de distância do corpo de Odair Moniz, o automobilista que fugiu ao carro-patrulha conduzido pelo agora arguido, pisou um traço contínuo e resistiu a ser detido no Bairro da Cova da Moura, na Amadora, são suscetíveis de produzir sensações dúbias no leitor que não embarque em maniqueísmos e conserve em si o humanismo e a ponderação que se esperam dos juízes de direito que têm o caso em mãos.
Há muito que a pena de morte foi abolida e é imperdoável que um polícia, com outros meios coercivos à disposição, mate um cidadão com dois disparos feitos praticamente à queima-roupa, conforme imputa a acusação do Ministério Público ao agente Bruno Pinto. Mesmo que se venha a provar - e não é para aí que apontam as testemunhas já ouvidas, nem sequer o depoimento hesitante do arguido - que Odair Moniz, de 43 anos, empunhava a faca que foi encontrada no local do crime sem vestígios biológicos seus, dificilmente as circunstâncias do caso deixarão de apontar para alguma desproporcionalidade da reação policial.
Por outro lado, o arguido e o colega que o acompanhava merecerão alguma empatia na avaliação do sucedido na madrugada de 21 de outubro de 2024, numa rua mal iluminada da Cova da Moura, pois é difícil de compreender que a cadeia de comando da PSP incumba um agente com 28 anos e apenas dois de experiência de formar equipa com um colega de 21 de idade para policiar uma zona perigosa como esta.
Naturalmente, os polícias recém-formados com as melhores notas pedirão para ser colocados em zonas mais calmas, e aqueles que vão parar à 63.ª Esquadra da Damaia, como foi o caso do arguido e do colega de 21 anos, sonharão todas as noites com a sua transferência. Mas de quem comanda a PSP espera-se, pelo menos em zonas urbanas sensíveis como a Cova da Moura, uma gestão de recursos humanos eficaz, que garanta às equipas uma composição mista de agentes mais maduros com outros mais verdes.
Na fatídica madrugada, poderá ter faltado aquele equilíbrio, mas também um modelo de policiamento de proximidade que, em devido tempo, tivesse sido capaz de atacar preconceitos mútuos de moradores e agentes da autoridade, em conjunto com políticas integradas de combate aos problemas sociais da periferia que potenciam a criminalidade. Fora do Tribunal de Sintra, é isso tudo que deveria estar a ser julgado.

