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Por muito que se discorde de Cavaco Silva, no tom e na substância, por muita vontade que se tenha de apear Passos e Portas do Governo, e por muita ânsia que muitos têm de que chegue o momento de ver António Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa a tirar um feliz retrato, qual último dia de cimeira bem-sucedida, acho que a cerimónia de posse de ontem foi uma bonita ode à democracia. A saber o que todos sabemos hoje, porque tudo pode mudar, foi formalizado ontem um Executivo de efémero poder para executar. Começou um Governo a termo certo, para rematar estes dias de destino incerto, em que hipóteses impossíveis se transformaram em certezas improváveis. Sei bem que ouvir aqueles discursos chegou a ser constrangedor, como se Cavaco e Passos ensaiassem uma peça que todos sabem que não vai sair do papel. Mas a democracia não se esgota no cumprir da vontade popular expressa pelo voto. Demonstra-se, também, na cansativa observância destas minudências, por muito que isso exaspere poder e oposição. Cumprir formalidades que parecem desnecessárias é bastante chato, mas a democracia é também o penoso exercício da paciência. De atropelar e esquecer regras para as moldar à vontade de alguns já tivemos o suficiente.
*JORNALISTA