<strong>O regime chinês tratará das ovelhas tresmalhadas com a máxima discrição. Se tiver de aplicar correctivos, será fora do alcance das câmaras de televisão.</strong>
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A mãe de Hua Huiqi, de 76 anos, foi condenada em Junho a dois anos de prisão. Não é uma "perigosa" activista pró-direitos humanos, talvez não saiba bem onde fica o Tibete, não consta que alguma vez tenha, sequer em surdina, criticado o regime chinês. O seu crime? "Destruição de propriedade pública". Partiu o farol de um carro da polícia, em protesto contra a prisão do filho, a quem foi aplicada uma pena de seis meses por obstrução à justiça, num julgamento à porta fechada, e que foi torturado na cadeia.
O caso da anciã pequinense é um dos muitos denunciados pela Amnistia Internacional (AI), com o objectivo de mostrar ao mundo que a China fez promessas vãs para assegurar a organização dos Jogos Olímpicos. O mais recente relatório da AI, que traça um quadro cada vez mais negro da situação em matéria de direitos humanos, revela que as detenções sem mandado judicial são o mais banal dos instrumentos de repressão. Bem pior é a ameaça de condenação à morte, que se abate sobre opositores políticos e não só, porque são 68 os delitos passíveis de punição com a pena capital.
Num país que conserva campos de "reeducação pelo trabalho" e se dedica à reabilitação forçada de toxicodependentes, os media permanecem domesticados. A internet é alvo de apertada vigilância e os estrangeiros que visitam Pequim são aconselhados a não levar livros ou CD que possam susceptibilizar as autoridades. Há até casos de atletas excluídos da representação olímpica por razões políticas.
Dominada pelo Partido Comunista, a China pratica uma espécie de capitalismo de Estado que a todos convém. À nomenclatura, que cuida da sua perpetuação no poder eliminando quem lhe faz frente. Às multinacionais, dispensadas de investir em tecnologias limpas, beneficiárias de salários baixos e de trabalhadores que nem um protesto ousam soltar, quanto mais fazer greve, que por lá é proibida.
A revelação do que se esconde por trás da cortina - pela Amnistia e outras organizações, como a Human Rights Watch - é, por isso, politicamente incómoda para a chamada "comunidade internacional". Não é a China apresentada como exemplo de país que agarra a oportunidade para se afirmar economicamente no contexto mundial? Não é para se defender da sua entrada de rompante nos mercados que a Europa pondera dilatar o horário de trabalho?
O silêncio cúmplice da "comunidade internacional" será cada vez mais fácil de manter, à medida que se aproximam as Olimpíadas. A sede de sucesso desportivo fará esquecer as promessas de Pequim. O regime tratará das ovelhas tresmalhadas com a máxima discrição. Se tiver de aplicar correctivos, será fora do alcance das câmaras de televisão. Olhos que não vêem, coração que não peca.