Numa visita a Londres, o secretário da defesa de Obama, Robert Gates, disse algo que merece ser meditado: "A Turquia afasta-se do Ocidente porque, em grande medida, foi rejeitada pela União Europeia".
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Claro que a história não pode ser simplificada. A Turquia já foi um império modernizador, inimigo e aliado das grandes potências europeias, promotor e repressor da pirataria marítima, condutor de movimentos de expansão religiosa e potência tolerante. Já foi uma república secular, alicerçada num exército disciplinado, obcecada com o desenvolvimento técnico, inspirada no modelo alemão e percorrida por clubes maçónicos. Nos últimos 35 anos, mantendo as instituições de separação entre igrejas e Estado, foi pluralista e ditatorial, e desde 1996 olha um dos frutos da democracia eleitoral: a ascensão de partidos muçulmanos, do Refah de Erbakan, que tinha alas moderadas e radicais, até ao governante PJD (AKP) de Erdogan, que parece decidido em revolucionar a estratégia nacional.
Na Guerra Fria, a Turquia aproximou-se de Israel, para combater o apoio da Síria ao Partido Comunista Curdo, e olhou com hostilidade ou desconfiança o Irão e o Iraque. Cultivou o sonho de entrada na União Europeia. Um dos dirigentes do PJD disse-me, na SIC Notícias, que o seu partido queria entrar na família conservadora do Parlamento Europeu. Na primeira entrevista que deu a um canal estrangeiro, o presidente Gul afirmou, à mesma televisão, que a constituição protegia todos: islâmicos, cristãos, judeus, "não crentes, e não praticantes".
A Turquia de hoje é a mesma. O assassínio ritual, há poucos dias, do bondoso frade capuchinho Luigi Padovese, patriarca católico local, vigário da Antólia, chocou todo o povo, habituado à comunhão solidária de fés.
No entanto, as coisas mudam: os erros da Europa, dos EUA, de Israel, explicam muito.
Mas não explicam tudo. Dentro da alma turca ferve uma inquietude que tem de ser entendida. Ou será demasiado tarde.
P.S.: Desaparece dos visíveis - mas não dos vivos, porque a obra continua a pulsar - o nosso querido António Manuel Couto Viana, um dos grandes poetas do século XX português. Tradutor de Neruda e sebastianista, apaixonado minhoto, nacionalista luso, neto de espanhóis, formador de actores, mestre das letras, foi certamente buscar a Pátria, como ele dizia, "onde ela estiver". Na véspera do 10 de Junho.