O posicionamento político do PS desde que António Costa é primeiro-ministro assentou em duas propostas simultâneas: devolver rendimento às pessoas e manter contas públicas em ordem. O propósito seria dizer que é possível fazer diferente da Direita, ou seja: oferecer felicidade como a Esquerda gosta e rigor financeiro que era a marca de água da Direita.
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Os resultados em matéria de défice público e aumentos de salário mínimo acabaram por dar corpo a este posicionamento.
Depois há o combate político, e para tal foi preciso manter vivo o maior dos adversários. O país ouviu até à exaustão o líder do PS afirmar que, para além de devolver rendimentos e enfrentar a pandemia sem dor, teve também de lutar "contra o Diabo que vinha aí, mas que afinal não apareceu".
Tudo parecia bater certo, mas, como sempre, "o Diabo está nos detalhes". É que o valor do dinheiro é relacional, relacional com o que temos de pagar e com o que conseguimos comprar.
As famílias portuguesas hoje quando compram bens essenciais pagam mais 30% do que pagavam para o mesmo cabaz há apenas 12 meses. Uma família que tinha uma prestação mensal de 500 euros há um ano, hoje pode ver essa prestação disparar para os 600 euros, essa mesma família pode ver a sua fatura da luz e do gás duplicar de valor.
Não é preciso ser um génio para perceber que afinal o Diabo está cá e veio para ficar, até a dra. Lagarde o reconhece. Chama-se inflação, e não chegou ontem.
Este Diabo pode não ter o efeito emocional de uma sobretaxa, ou de um corte salarial, mas o seu efeito real pode ser bem mais devastador e duradouro para os portugueses comuns, sobretudo num país que tem uma das maiores dívidas públicas da União Europeia e um Estado social em colapso. Um país que precisa de contratar médicos e professores não deveria ver esses recursos serem utilizados para pagar os juros que aumentam de uma dívida que mal abateu nos últimos sete anos.
Mais do que exercitar o mantra sobre o Diabo que não veio, talvez fosse mais importante enfrentar a sério o Diabo que cá está. Depois do que se viu no último pacote proposto, o país continua a aguardar.
*Diretor-Geral Editorial