Nas últimas semanas, alguns casos ressaltaram a vulnerabilidade dos jornalistas perante as suas fontes de informação. Dependente de dados de terceiros, a informação jornalística vai reconstruindo factos que podem estar substancialmente desencontrados da realidade. Em algumas situações, impressiona o grau de manipulação de que as redações são alvo. E não estamos a falar de "fake news", apenas de astutas fontes de informação que usam estratégias há muito conhecidas nos média tradicionais. Falemos aqui da nomeação da procuradora-geral da República e de tudo o que rodeia a encenação da entrega de material militar roubado em Tancos.
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Em janeiro deste ano, em entrevista à TSF, a ministra da Justiça considerou, a propósito da recondução de Joana Marques Vidal, cujo mandato na Procuradoria-Geral da República termina hoje, que a Constituição da República Portuguesa prevê "um mandato longo e um mandato único". Francisca Van Dunem falava cedo demais. A partir daí, fontes organizadas decidiram minar essa vontade política atuando como fontes anónimas no campo mediático. À medida que a data apertava para o Governo apresentar ao presidente da República possíveis candidatos ao cargo, as notícias a favor de Marques Vidal iam aumentando. Sempre sustentadas em fontes desconhecidas. No meio desse incontrolável caudal de informação, emergiu uma vontade do presidente da República em fazer permanecer em funções a então titular do cargo, embora ele próprio enquanto fonte direta tivesse tido sempre o cuidado de não se pronunciar publicamente sobre a continuidade da ainda procuradora-geral da República. A 15 de setembro, o "Expresso" arrisca mesmo uma manchete que apregoava um "acordo à vista para manter a PGR", garantido que esse anúncio seria feito mal o primeiro-ministro regressasse de Luanda. O semanário acertava no tempo da comunicação da decisão, mas falhava estrondosamente no nome escolhido. Depois de conhecido o nome da nova procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal veio dizer que nunca ninguém falara com ela sobre a hipótese de continuar naquelas funções. Isso significa que os média noticiosos produziram informação sem qualquer referente. No entanto, essas notícias foram sempre alimentadas por muitas fontes, a maior parte delas subterrâneas.
Falemos agora de Tancos. Conhecida a encenação da Polícia Judiciária Militar, levantou-se a tese que assegura haver uma "guerra de polícias". No entanto, convém aqui acrescentar que esse ambiente de guerrilha também é potenciado pelos média. Parte do plano que visava a "descoberta" das armas roubadas na Chamusca passava pela respetiva cobertura mediática. A PJM estava incomodada com a noticiabilidade produzida e construiu ali uma contraofensiva que apenas seria bem-sucedida se os jornalistas cooperassem no destaque a dar a isso. Descobertas as movimentações de alguns elementos da PJM e da GNR, abre-se agora uma outra frente no campo mediático, que visa esgrimir aí elementos de defesa e de ataque, quase sempre sem se conhecer donde provém essa informação. No meio deste intrincado caso, surge agora o ministro da Defesa e o seu antigo chefe de gabinete e a questão central é a de se saber qual o grau de conhecimento que ambos tinham deste assunto. Azeredo Lopes disse, desde o primeiro momento, que nunca havia sido inteirado dos planos da PJM. Aquele que, na altura, era o seu chefe de gabinete reconheceu à RTP ter recebido, numa reunião com o major Vasco Brazão, um memorando sobre o que se passou, acrescentando ter em sua posse o documento "verdadeiro".
Neste tempo, todos gostaríamos de saber o que realmente se passou. Cada um apresenta a sua versão dos acontecimentos. É natural. Mais complexo será o conjunto de fontes subterrâneas que, nos bastidores, procura manipular factos. E afastar-nos da verdade que importa conhecer.
* PROFESSORA ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO MINHO