O que aconteceu, anteontem, na Foz do Douro, no Porto, quando ondas gigantes invadiram a marginal e empurraram carros e autocarros de um lado para o outro como se de brinquedos se tratasse, é grave e não pode passar, à boa maneira portuguesa, sem se encontrar esposo para a culpa.
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A culpa não é, certamente, da fúria do mar - essa era previsível. A culpa é, certamente, de quem, sabendo por antecipação do potencial devastador das ondas naquela noite, não cuidou de tomar as medidas necessárias para minorar os danos.
Foi assim no Porto como em muitas outras localidades da orla marítima portuguesa. Já todos sabemos que a falta de uma política integrada capaz de combater estes fenómenos é há muito reclamada mas nunca praticada. Exemplo: a erosão costeira galopa forte, e contra ela governos atrás de governos vão apontando e executando medidas de circunstância, daquelas que enchem o olho mas não resolvem nada.
A melhor prova da incapacidade para atacar o problema, do desgoverno entre as instituições que têm responsabilidades na matéria e da falta de alguma coisa para dizer ao povo que vê nos jornais e nas televisões o mar a avançar e a destruir, sem contraponto, tudo o que lhe aparece pela frente, a melhor prova desta total ineficácia, dizia, é o facto de, até à hora a que escrevo, o ministro do Ambiente e Ordenamento do Território ter dito sobre o tema o equivalente a zero.
Jorge Moreira da Silva é um conhecido defensor do Ambiente. Conhece os dossiês. Tem pensamento. Mantém-se, ainda assim, convenientemente calado, não porque lhe falte o que dizer, mas antes porque é mais cómodo esperar que a tempestade amaine sem queimar a imagem. Ou, no caso, sacudindo a água do capote.
O pior que pode fazer-se é fechar os olhos às evidências. O ministro tem companhia na postura. O vereador da Câmara do Porto com o pelouro da Proteção Civil, Sampaio Pimentel, acha que a culpa radica na "falta de cuidado das pessoas". É a chamada explicação cómoda e preguiçosa.
Sendo verdade que a curiosidade das "pessoas" é, por vezes, mortal e que não há modo eficaz de mostrar às "pessoas" o perigo que correm quando se põem a olhar, junto ao mar, para o espetáculo que este lhes oferece de borla, não é menos verdade que, perante os factos, exigia-se a tomada de medidas preventivas, conjugadas com todas as entidades com responsabilidades nesta matéria.
O destino não trouxe, desta vez e felizmente, nenhuma tragédia. Caso contrário, estaríamos hoje a velar os mortos e a procurar culpados. No dia seguinte a vida voltaria ao normal, menos para os que tivessem perdido familiares e amigos. Há vastíssimos exemplos das consequências desta negligência. Tristemente, continuamos a não querer aprender com eles.