É sempre arriscado ler a sina nacional de um partido com base no desempenho das autárquicas. Fundamentalmente, porque os eleitores optam, muitas vezes, por votar nas pessoas e não nos símbolos partidários que elas carregam. Ainda assim, e olhando diretamente para o estado comatoso do PSD, não podemos dissociar os dois planos, sobretudo se atendermos ao facto de se tratar do partido mais votado nas eleições legislativas e que agora foi vulgarizado nas urnas. O desaire local decorre diretamente das más opções tomadas pela liderança nacional. Por Passos Coelho.
O homem que sai, mas não sai. Que não se recandidata, mas que não se demite. Que assume a dimensão da derrota, mas que vende cara a razão. Que mesmo no chão esperneia. Na verdade, ele sempre foi assim. Alguns chamam-lhe obstinação. Eu prefiro acreditar que Passos percebeu tarde demais que não podia suster o vento com as mãos. Que percebeu da pior forma possível que a deriva neoliberal de um partido que sempre se alimentou do centro para ser influente só serviu para o entrincheirar num labirinto escuro forrado a muros altos. Basta vermos a forma como os barões o abandonaram na noite eleitoral, demonstrando que a memória é tão mais curta quão mais faminto for o calculismo, para entender este desfecho. A ausência do perfume do poder é incapacitante. E Passos, que ainda ostentava na lapela a medalha de líder político que conquistou mais votos do que o primeiro-ministro, do homem que, tendo ido longe demais na aplicação da austeridade, herdou um país na bancarrota, já nem disso pode valer-se. O melhor que conseguirá agora é acabar o mandato interno de forma digna, permitindo que se forme uma alternativa que funcione para dentro e para fora.
Não se julgue, porém, que os problemas do PSD fogem para longe no dia a seguir ao exílio político de Passos Coelho. Se quiser voltar a gerir o país, o partido, quem quer que venha a liderá-lo, necessita de reorientar o discurso, de gizar uma estratégia mobilizadora. Nos últimos dois anos, Passos limitou-se a dar provas ineficazes de vida agitando fantasmas do passado. E isso é manifestamente pouco. Ao longe, já se ouve o som da contagem de espingardas.
P.S. António Costa e Jerónimo de Sousa podem jurar a pés juntos que o desastroso resultado do PCP nas autárquicas não terá influência nas negociações do Orçamento do Estado entre os dois partidos, mas ninguém acredita nisso depois de ouvir o secretário-geral comunista. Horas depois de Ana Avoila ter ameaçado convocar uma greve da Função Pública caso o Ministério das Finanças não comece a distribuir aumentos e a descongelar carreiras, Jerónimo prometeu endurecer a luta nas ruas e lembrou ao PS que lidera um "Governo minoritário". Perante o novo mapa eleitoral, os comunistas já não podem fingir que não veem que o altruísmo do PS acaba no exato momento em que (e se) António Costa obtiver uma maioria absoluta.
* Subdiretor
