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Hordas de orcs e goblins... de quê? Quem não tiver lido Tolkien poderá ver as extraordinárias adaptações ao cinema de “O Senhor dos Anéis” e de “O Hobbit”, por Peter Jackson, para conhecer essas asquerosas criaturas ao serviço do mal. Ora, há em Portugal hordas de orcs e goblins (são grupelhos, na verdade) dedicadas a agredir e a aterrorizar pessoas que tentam viver em paz num mundo que lhes pareça benévolo: imigrantes, voluntários apoiando pessoas sem-abrigo, atores que chegam ao seu local de trabalho...
De onde vem esta podridão?
Há uma resposta, dada em 2016 pelo atual presidente dos EUA, quando estava em vias de assegurar pela primeira vez a nomeação como candidato presidencial, ao dizer: “Ganhámos com os jovens. Ganhámos com os velhos. Ganhámos com os muito instruídos. Ganhámos com os pouco instruídos. Eu adoro os pouco instruídos.”
É uma resposta incompleta. Sendo evidente que a crueldade própria dos fascismos é apetecível para os intrinsecamente malévolos, para alguns intelectualmente incapacitados ou para os tais “pouco instruídos” adorados pelos populistas, a raiva insana contra o outro atinge muita outra gente, por muitas razões. O difícil será perceber que nem sempre essas pessoas devem ser combatidas individualmente. Ou seja, sem paternalismos, o inimigo pode ser vítima.
Temos de ser intransigentes ao punir, pela lei, todos quantos praticam crimes de ódio. Mas não devemos odiar preventivamente em troca, esmagando com a nossa alegada sapiência a multidão que, por se sentir de algum modo traída pela vida, pode estar a um curto passo de se tornar hostil. Ou seja, proclamar impacientemente a suposta ignorância de outros, ou apenas tentar fazer-lhes ver uma verdade que não é a deles, pode ter resultados perversos, estimulando o ódio. Porque os “pouco instruídos” são insensíveis ao argumentário da racionalidade, mas também porque vivemos um tempo de posições inflexíveis, e as pessoas só querem ler e ouvir aquilo com que concordam à partida.
Mudar o Mundo pode não ser transformar todas as pessoas em seres lúcidos, luminosos e benévolos. Isso não existe. Mas pode ser dar-lhes condições de vida que não as puxem para o ódio, a xenofobia, o racismo. E dar-lhes a dignidade que as iniba de ver como ofensiva a dignidade das pessoas diferentes. E, no longo prazo, torná-las instruídas, não para sermos todos iguais, mas para que todos decidam, sem serem manipulados, o que são.